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Gente de Opinião

Sandra Castiel

Ensaios Literários sobre Poetas de Rondônia - Parte I


Ensaios Literários sobre Poetas de Rondônia -  Parte I - Gente de Opinião

Descobri o amor pela poesia, ainda criança, no Grupo Escolar Barão do Solimões, em Porto Velho. Naquela época, os livros de leitura eram obrigatórios no curso primário. Então, aos oito, nove anos, líamos os grandes poetas parnasianos brasileiros que escreviam também para a infância, como Olavo Bilac.

Destaco Olavo Bilac, pois seus sonetos abriram-me os olhos d’alma para a poesia; deste modo, passei a perceber a poesia que existe na vida e em tudo que é imutável, eterno. Mais tarde, dediquei-me a buscar a poesia que existe na palavra dita, algo além do aspecto meramente linguístico, algo que não se restringe ao significante e ao significado; algo que transcende a racionalidade e pode ser identificado na fala de alguém, ou em um verso escrito por algum poeta. Quando a encontro, quanta emoção!

Há pessoas que não sabem que são poetas, quantas delas já reconheci... Há pessoas que são naturalmente líricas e expressam uma subjetividade rica em poesia, subjetividade esta embalada pelas emoções, dores e frustrações vividas. Isto me faz pensar em tantas coisas aparentemente incompreensíveis, como por exemplo: por que o pássaro canta, mesmo preso em uma minúscula gaiola pela maldade humana? Acredito que todos sabemos a resposta porque todos partilhamos a vida no mesmo planeta, humanos e animais.

Hoje volto-me à literatura de Rondônia, às leituras recentes que tenho feito de poetas de nossa região. A ideia é, por esta plataforma, mostrar aos leitores, através de ensaios literários despretensiosos, o quão rica é a literatura de nosso estado no que se refere à poesia. A intenção é, a cada texto, fazer referência a dois poetas, sem a pretensão de esgotar-lhes as obras, muito menos criticá-las; a intenção é falar sobre nossa literatura: em primeiro momento, poesia; na sequência, prosa poética.

 

 

VIRIATO MOURA

 

Viriato tem o dom de vislumbrar a poesia contida nos sentimentos mais profundos, até aqueles que nos confundem o ser pela complexidade.

Os poemas de Viriato Moura apresentam o vigor dos versos livres e brancos, ou seja, passam longe dos versos rimados e metrificados. Esta forma de escrever poesia, no Brasil, tem como ponto de partida a Semana de Arte Moderna, de 1922, que introduziu na literatura brasileira a poesia modernista. Ao longo de um século, evidentemente, houve mudanças no que concerne à temática e à forma de expressão da poesia modernista, poesia esta que reagia contra o sentimentalismo do Romantismo e à “Arte pela Arte” do Parnasianismo.

Desde o Romantismo, entendia-se o lírico como a expressão da subjetividade do poeta. Para Hegel (filósofo germânico), o poeta lírico forma “um mundo subjetivo fechado e circunscrito”; um mundo “fechado em si mesmo”; nesse mundo “as circunstâncias exteriores não lhe são senão um pretexto para se exprimir a si mesmo, com seu estado de alma”.

Há inúmeras reflexões teóricas sobre o sujeito lírico na poesia moderna contemporânea; uma delas, vem provocando debates e pesquisas nas comunidades acadêmicas mundo afora. Trata-se da teoria de Michel Collot, professor de Literatura Francesa da Université Sorbonne Nouvelle Paris III, autor de importantes obras sobre poética (a propósito: O sujeito lírico fora de si. Terceira Margem, Rio de Janeiro, 2004). Para Collot, o “eu-lírico” na poesia moderna está fora de si, ou seja, não existe mais como sujeito circunscrito à própria interioridade. O sujeito lírico agora tem um novo olhar, um olhar que se constrói a partir do outro, a partir da diferença: “Desviando-se de si, o sujeito descobre-se”.  

É o que encontramos no belíssimo poema CONSPIRAÇÃO, presente no livro Ritual de Catarse (p. 29) de Viriato Moura:

 

 

CONSPIRAÇÃO

 

Conspirou, /determinado, / com suas armas mais letais, / para derrubar o ditador /de si mesmo. / Hoje, /cansado de guerra, / cabelos tingidos pelas emoções, /respira as vidas /que perdeu.

 

O fato é que tudo se transforma, porém, os poemas modernos contemporâneos apresentam, sim, uma lírica própria. Na nova lírica o eu-lírico, que, no Romantismo, caracterizava-se por um sentimentalismo exacerbado (tônica constante na expressão da subjetividade do poeta), torna-se, agora, o sujeito observador da alteridade, do mundo concreto. Este eu-lírico atua como sujeito racional, alguém que opera a língua com racionalidade aguçada, fazendo da metalinguagem a marca de seu fazer poético.   

Destacamos, também, como exemplo de poesia moderna contemporânea, o poema Incesto, presente no livro Ritual de Catarse (p.167). Aqui, o poeta propaga uma poesia livre dos grilhões impostos pelos puristas e expressa o novo eu-lírico. Agora, este eu lírico é um olhar “de fora”, um “eu” que interage com a pluralidade, com a alteridade presente na sociedade e no mundo, possibilitando ao poeta descobrir-se. Sua escrita é caracterizada pela metalinguagem e pelas metáforas, aliás metáforas fortes e contundentes.

 

INCESTO

                                                      Viriato Moura

 

A poesia não deve ter vergonha de ser libertária, / tem que dizer o que o poeta sente, / livre de qualquer corrente, / sem o pudor dos puristas castradores / ___rimas, métricas, isto ou aquilo, que se danem! / Tem de se deixar expelir plena, / como vômito incoercível/ como ejaculação incontida, / para adubar o jardim das sensações. / O poeta é apenas o veículo/que a gesta, / fruto da relação incestuosa/ consigo mesmo. /

 

 

Ao longo do tempo, a escrita poética de Viriato Moura foi-se diversificando e a objetividade tornou-se a tônica de sua poesia. Fundamentamos esta afirmação com exemplos contidos em   suas obras mais recentes, que trazem um gênero ainda pouco conhecido do grande público, gênero denominado Aldravia.  

 

Aldravia: é uma composição poética minimalista, compostas de seis palavras apenas; cada palavra corresponde a um verso, portanto podemos caracterizá-la como sextilha. Outra característica desta escrita poética é a incompletude do sentido, o que gera diversidade no quesito interpretação; ao mesmo tempo que traz uma ideia “clara”, abre espaço para o subliminar. Enfim, esta estrutura de poema pretende construir poesia utilizando o mínimo de palavras; cabe ao leitor alcançar esta poesia, pois ela salta dos poemas e da sensibilidade do poeta. Selecionamos, de dois livros, dois blocos de dez Aldravias; o critério foi escolher dentre estas aquelas que mais nos tocaram a alma, ressaltando as que estão sublinhadas.

 

 

 

 

Aldravias na Veia

 

                                     Viriato Moura

 

1) belas /auroras / não /garantem /dias/ensolarados

2) nada /perdido/em /mim /apenas/mudado

3) nó /górdio /de /amor /pode /desatar

4) escrever /apagar /reescrever /assim /vida /conta

5) silêncio /absoluto /pode /gritar /mais /alto

6) incorporou /próprio /espírito /mas /corpo /rejeitou

7) minha /infância /doce /ainda /engorda /saudades

8) morrer /em /vida /mais /que / lamúrias

9) infância /se /colore /com / lápis/de /cor

10) poesia /grávida /de /realidade /gera /vida

 

Breves comentários:

nó / górdio / de /amor /pode / desatar

 

Achei original a maneira com que o poeta fala de amor (e de desamor?). A expressão nó górdio significa problema insolúvel, dificuldade praticamente insuperável. Qual seria a intenção do poeta ao relacionar tal expressão ao sentimento amor? O nó górdio parece-me, aqui, a metáfora que ilustra o quanto o amor pode ser forte; quando duas pessoas estão apaixonadas, estão unidas por um laço tão intenso e impossível de desamarrar quanto o nó górdio; aí o leitor se depara com a continuação do poema: pode /desatar. Enfim, um grande amor pode acabar!? Esta foi apenas minha interpretação como leitora; certamente há outras, esta é a beleza da poesia contida nas Aldravias.

 

escrever / apagar / reescrever / assim / vida / conta

 

O poeta, em seis palavras, ilustrou poética e filosoficamente a vida. O que é a vida senão uma sucessão de recomeços? Recomeços de propósitos, decisões impensadas, escolhas equivocadas, enfim, coisas que precisam ser “apagadas” e “reescritas”, para que sigamos em frente, até o fim, porque o tempo é contabilizado sempre.  Para o poeta é assim que vale a pena? cada leitor que faça sua própria interpretação.

 

 

ABRA-SE PARA POESIA

   

                                             Viriato Moura

 

1) dias / idos /sem adeus /não / partem

2) de / ataque /de /vida /súbita /morreu

3) ventos / sopram / algodão / feito / nuvens / terrenas

4) seus / pecados / fizeram / inveja / ao / padre

5) com / medo / do / inverno / outono / amarela

6) caminho /atrás /de / mim / encontro /outros

7) aurora / fecha / cortina / palco / das / estrelas

8) mendigo /morto / sua / miséria / mais /viva

9) lavava / saudade / com / água / dos /olhos

10) desnuda /sem / adereços / aldravia / emana / poesia


 


Seguimos com breves comentários:

 

lavava / saudade / com  / água /dos  / olhos

 

Esta Aldravia carrega consigo a beleza das coisas simples; leva-me a imaginar uma mulher velha carregando na cabeça um tacho cheio de água dos olhos, para lavar a saudade da juventude, dos dias felizes, e de quem se foi. Belíssima construção poética!  

 desnuda / sem / adereços / aldravia  / emana  / poesia

 

Neste poema, o poeta declara seu amor pelo gênero que escolheu para sua escrita poética: palavras fortes que, em versos, compõem belas metáforas sob as quais, resguardada, repousa a poesia. Compete a cada leitor, descobri-la e encantar-se com ela.

Ensaios Literários sobre Poetas de Rondônia -  Parte I - Gente de Opinião

Viriato Moura nasceu em Xapuri, no então Território do Acre, em 19 de outubro de 1947. É médico, empresário na área de saúde, artista plástico e autor de mais de duas dúzias de livros sobre poesia. Vive na cidade de Porto Velho, onde presta relevantes contribuições à saúde, às artes plásticas e às letras de Rondônia.



 

 

 

 


CARMÊNIO BARROSO

 

Os versos de Carmênio costumam ser bastante inspirados; fica-se com a certeza de que vêm do recôndito de sua alma sensível. Pretendemos comentar, embora sucintamente, alguns aspectos de sua poesia.

Os poemas de Carmênio são primordialmente líricos; diríamos que são centrados no eu, no sonho e na fantasia, na saudade, na paixão, o que nos remete à subjetividade da arte romântica. E isto é tão bonito!

Como exemplo, citamos este belíssimo poema, composto em 1979:

 

 

 

 

                       

OS VERSOS


                                       Carmênio Barroso

 

Eu crio versos, como faz o ninho, /A pomba que perdeu seu companheiro; / Recolho os cavacos do caminho, / Num sonho em vão que ainda tem parceiro! /

 

Os versos que se faz e se confia /A um destino que não seja o lodo.../ São lidos no silêncio que arrepia / E falam mais alto que um artigo todo! /

 

Os versos meus são estilhaços d’alma, / Que se partiu por certas coisas vãs, / Talvez querendo o furacão à calma / Ou certamente uma legião de fãs! /

 

São rimas extraídas da procela, / Dos vendavais da nossa própria vida, / São cores chamuscadas da aquarela / Que nos retrata a alma enternecida! /

 

São gritos do meu eu enclausurado / Que se retorce com o que tanto sente, / Carregando a bagagem de um passado / Nos caminhos fugazes do presente! /

 

O poema Os Versos apresenta cinco estrofes em quadras, ou seja, cada estrofe possui quatros versos. O eu lírico está presente em primeira pessoa, para falar de seu sentimento mais dorido: a solidão, solidão esta provocada pelo abandono de um amor, de uma parceira: Eu crio versos como faz o ninho, / A pomba que perdeu seu companheiro; / Recolho os cavacos do caminho, /Num sonho em vão que ainda tem parceiro!

 

Destaca-se, nesta estrutura poética, o talento do poeta não apenas no que diz respeito à expressão do sentimento, à linguagem poética, como também no que se refere à metrificação e às rimas, aspectos importantes neste gênero literário, pois estes imprimem musicalidade aos versos: o poema apresenta versos decassílabos e um esquema de rimas alternadas.

 

No que se refere à morfologiahá a prevalência de rimas pobres, ou seja, palavras que pertencem à mesma classe gramatical. Porém, há também rimas ricas: lodo/todo (substantivo e adjetivo –o pronome todo neste contexto é adjetivo), vãs/fãs (adjetivo e substantivo), vida/enternecida (substantivo e adjetivo), sente/presente (verbo e substantivo), rimas constituídas de palavras de diferentes classes gramaticais.

 

 

 

 

SONHOS AMENOS

 

                                 Carmênio Barroso

 

Os meus sonhos repetidos / E tantas vezes sonhados / Viraram longos vestidos / Cheios de muitos babados. /

 

Viraram teias imensas / Onde se prendem meus ais / Viraram nuvens tão densas / Donde não saio jamais. /

 

Quisera sonhos pequenos / Que gostamos de lembrar; / Doces, fagueiros, amenos... / Que dão prazer de sonhar. /

 

O poema Sonhos Amenos possui três estrofes de quatro versos (quadras). Os versos são isométricos, ou seja, apresentam medida igual, todos heptassílabos (sete sílabas poéticas).  A exemplo do poema anterior, as rimas também são alternadas, pobres e ricas. Logo na primeira estrofe, encontramos rimas ricas:  repetidos/vestidos (adjetivo e substantivo) sonhados /babados (adjetivo e substantivo).   

 O eu lírico está presente na expressão dos sentimentos do poeta, que construiu metáforas belíssimas, verdadeiros adornos poéticos, que enriquecem sobremaneira este poema e o tornam uma pérola literária. Cabe ressaltar a natureza dos sentimentos de tristeza e lamentos presentes no poema, o que nos reporta a poemas da época do Romantismo.

 

Carmênio Barroso pode ser definido como um poeta   que incorporou a seu trabalho características de diferentes movimentos literários. Observo em seu livro Solilóquio alguns poemas com versos livres (Modernismo) e poemas de forma fixa. (Parnasianismo). Porém, aquilo que se constitui no cerne de sua poética é o lirismo sentimental. Os poemas de sua autoria que mais o definem são os poemas clássicos, não no sentido literal, mas aqueles que apresentam versos isométricos e rimas elaboradas.   

              

Carmênio compõe belíssimos sonetos, forma de poema bastante utizada no Brasil, até a Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922. A despeito do Movimento Modernista, ao qual aderiu a maioria dos poetas da época, o Soneto permanece vivo até os dias atuais. Consagrado por Vinicius de Moraes, o soneto brasileiro contemporâneo passou a ter sua própria identidade.

 

 

A MUSA MENINA

 

                                      Carmênio Barroso

 

 Eu ouço o sussurrar da voz bonita, / Brejeira e sensual, altiva e bela!/ Não é Maria – pela voz é Estela; / Não foi Moema  -- pode ser Anita!/

 

Ouvi dizer que a voz é infinita / E que no burburinho da procela / Há bilhões de vozes e uma só é dela: / A musa augusta que o amor habita!/

 

Quisera eu que, em água cristalina, / Em que meu ser se envolve na refrega, / Eu buscasse o amor dessa menina. /

 

E o fizesse como quem carrega / No coldre da alvissareira sina / Um vendaval de amor que não se nega! /

 

 

O soneto brasileiro contemporâneo incorpora traços de diversas escolas literárias; passa longe da objetividade e da impessoalidade, características estas que remontam ao auge do Parnasianismo.

 

A tônica do soneto Musa Menina é a lírica amorosa.  O esquema rimático nas duas quadras é constituído de rimas interpoladas (ABBA); os dois quartetos apresentam rimas ricas: bonita/Anita (adjetivo e substantivo), bela/Estela (adjetivo e substantivo), infinita/habita (adjetivo e verbo), procela/dela (substantivo e pronome).

Nos tercetos, as rimas são alternadas CDC e DCD; há transposição de rimas do primeiro ao segundo terceto.  Cabe ressaltar a musicalidade imprimida pela beleza das rimas nesta composição. Do mesmo modo, cabe destacar o vocabulário erudito utilizado pelo autor. Enfim, os poemas de Carmênio Barroso nos remetem à beleza dos poemas clássicos.

 

Dados sobre o autor: 

 

Ensaios Literários sobre Poetas de Rondônia -  Parte I - Gente de Opinião

Carmênio Barroso nasceu em 13 de agosto de 1930, na cidade de Jaguaruana, no estado do Ceará. Radicou-se em Porto Velho muito jovem. Poeta, cronista, colaborador dos jornais Alto Madeira e O Guaporé, publicou crônicas e poemas, de 1959 a 1963.   Carmênio é bastante conhecido em Porto Velho por sua atividade como empresário, mas também é reconhecido por sua arte poética.



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