Terça-feira, 28 de janeiro de 2020 - 16h48
Descobri o amor
pela poesia, ainda criança, no Grupo Escolar Barão do Solimões, em Porto Velho.
Naquela época, os livros de leitura eram obrigatórios no curso primário. Então,
aos oito, nove anos, líamos os grandes poetas parnasianos brasileiros que
escreviam também para a infância, como Olavo Bilac.
Destaco Olavo
Bilac, pois seus sonetos abriram-me os olhos d’alma para a poesia; deste modo,
passei a perceber a poesia que existe na vida e em tudo que é imutável, eterno.
Mais tarde, dediquei-me a buscar a poesia que existe na palavra dita, algo além
do aspecto meramente linguístico, algo que não se restringe ao significante e
ao significado; algo que transcende a racionalidade e pode ser identificado na
fala de alguém, ou em um verso escrito por algum poeta. Quando a encontro,
quanta emoção!
Há pessoas que não
sabem que são poetas, quantas delas já reconheci... Há pessoas que são
naturalmente líricas e expressam uma subjetividade rica em poesia, subjetividade
esta embalada pelas emoções, dores e frustrações vividas. Isto me faz pensar em
tantas coisas aparentemente incompreensíveis, como por exemplo: por que o
pássaro canta, mesmo preso em uma minúscula gaiola pela maldade humana?
Acredito que todos sabemos a resposta porque todos partilhamos a vida no mesmo
planeta, humanos e animais.
Hoje volto-me à
literatura de Rondônia, às leituras recentes que tenho feito de poetas de nossa
região. A ideia é, por esta plataforma, mostrar aos leitores, através de
ensaios literários despretensiosos, o quão rica é a literatura de nosso estado
no que se refere à poesia. A intenção é, a cada texto, fazer referência a dois
poetas, sem a pretensão de esgotar-lhes as obras, muito menos criticá-las; a
intenção é falar sobre nossa literatura: em primeiro momento, poesia; na
sequência, prosa poética.
VIRIATO MOURA
Viriato tem o dom
de vislumbrar a poesia contida nos sentimentos mais profundos, até aqueles que
nos confundem o ser pela complexidade.
Os poemas de
Viriato Moura apresentam o vigor dos versos livres e brancos, ou seja, passam
longe dos versos rimados e metrificados. Esta forma de escrever poesia, no
Brasil, tem como ponto de partida a Semana de Arte Moderna, de 1922, que
introduziu na literatura brasileira a poesia modernista. Ao longo de um século,
evidentemente, houve mudanças no que concerne à temática e à forma de expressão
da poesia modernista, poesia esta que reagia contra o sentimentalismo do
Romantismo e à “Arte pela Arte” do Parnasianismo.
Desde o Romantismo,
entendia-se o lírico como a expressão da subjetividade do poeta. Para Hegel
(filósofo germânico), o poeta lírico forma “um mundo subjetivo fechado e
circunscrito”; um mundo “fechado em si mesmo”; nesse mundo “as circunstâncias exteriores
não lhe são senão um pretexto para se exprimir a si mesmo, com seu estado de
alma”.
Há inúmeras
reflexões teóricas sobre o sujeito lírico na poesia moderna contemporânea; uma
delas, vem provocando debates e pesquisas nas comunidades acadêmicas mundo
afora. Trata-se da teoria de Michel Collot, professor de Literatura
Francesa da Université Sorbonne Nouvelle Paris III, autor de importantes obras
sobre poética (a propósito: O sujeito lírico fora de si. Terceira
Margem, Rio de Janeiro, 2004). Para Collot, o “eu-lírico” na poesia moderna
está fora de si, ou seja, não existe mais como sujeito circunscrito à própria
interioridade. O sujeito lírico agora tem um novo olhar, um olhar que se
constrói a partir do outro, a partir da diferença: “Desviando-se de si,
o sujeito descobre-se”.
É o que encontramos
no belíssimo poema CONSPIRAÇÃO, presente no livro Ritual de
Catarse (p. 29) de Viriato
Moura:
CONSPIRAÇÃO
Conspirou,
/determinado, / com suas armas mais letais, / para derrubar o ditador /de si
mesmo. / Hoje, /cansado de guerra, / cabelos tingidos pelas emoções, /respira
as vidas /que perdeu.
O fato é que tudo
se transforma, porém, os poemas modernos contemporâneos apresentam, sim, uma
lírica própria. Na nova lírica o eu-lírico, que, no Romantismo,
caracterizava-se por um sentimentalismo exacerbado (tônica constante na
expressão da subjetividade do poeta), torna-se, agora, o sujeito observador da
alteridade, do mundo concreto. Este eu-lírico atua como sujeito racional,
alguém que opera a língua com racionalidade aguçada, fazendo da metalinguagem a
marca de seu fazer poético.
Destacamos, também,
como exemplo de poesia moderna contemporânea, o poema Incesto,
presente no livro Ritual de Catarse (p.167). Aqui, o poeta
propaga uma poesia livre dos grilhões impostos pelos puristas e expressa o novo
eu-lírico. Agora, este eu lírico é um olhar “de fora”, um “eu” que interage com
a pluralidade, com a alteridade presente na sociedade e no mundo,
possibilitando ao poeta descobrir-se. Sua escrita é caracterizada pela
metalinguagem e pelas metáforas, aliás metáforas fortes e contundentes.
INCESTO
Viriato Moura
A poesia não deve
ter vergonha de ser libertária, / tem que dizer o que o poeta sente, / livre de
qualquer corrente, / sem o pudor dos puristas castradores / ___rimas, métricas,
isto ou aquilo, que se danem! / Tem de se deixar expelir plena, / como vômito
incoercível/ como ejaculação incontida, / para adubar o jardim das sensações. /
O poeta é apenas o veículo/que a gesta, / fruto da relação incestuosa/ consigo
mesmo. /
Ao longo do tempo,
a escrita poética de Viriato Moura foi-se diversificando e a objetividade
tornou-se a tônica de sua poesia. Fundamentamos esta afirmação com exemplos
contidos em suas obras mais recentes, que trazem um gênero ainda
pouco conhecido do grande público, gênero denominado Aldravia.
Aldravia: é uma composição
poética minimalista, compostas de seis palavras apenas; cada palavra
corresponde a um verso, portanto podemos caracterizá-la como sextilha. Outra
característica desta escrita poética é a incompletude do sentido, o que gera
diversidade no quesito interpretação; ao mesmo tempo que traz uma ideia
“clara”, abre espaço para o subliminar. Enfim, esta estrutura de poema pretende
construir poesia utilizando o mínimo de palavras; cabe ao leitor alcançar esta
poesia, pois ela salta dos poemas e da sensibilidade do poeta. Selecionamos, de
dois livros, dois blocos de dez Aldravias; o critério foi escolher dentre estas
aquelas que mais nos tocaram a alma, ressaltando as que estão sublinhadas.
Aldravias na Veia
Viriato Moura
1) belas /auroras /
não /garantem /dias/ensolarados
2) nada /perdido/em
/mim /apenas/mudado
3) nó
/górdio /de /amor /pode /desatar
4) escrever
/apagar /reescrever /assim /vida /conta
5) silêncio
/absoluto /pode /gritar /mais /alto
6) incorporou
/próprio /espírito /mas /corpo /rejeitou
7) minha /infância
/doce /ainda /engorda /saudades
8) morrer /em /vida
/mais /que / lamúrias
9) infância /se
/colore /com / lápis/de /cor
10) poesia /grávida
/de /realidade /gera /vida
Breves comentários:
nó / górdio / de
/amor /pode / desatar
Achei original a
maneira com que o poeta fala de amor (e de desamor?). A expressão nó
górdio significa problema insolúvel, dificuldade praticamente
insuperável. Qual seria a intenção do poeta ao relacionar tal expressão ao
sentimento amor? O nó górdio parece-me, aqui, a metáfora que
ilustra o quanto o amor pode ser forte; quando duas pessoas estão apaixonadas,
estão unidas por um laço tão intenso e impossível de desamarrar quanto o nó
górdio; aí o leitor se depara com a continuação do poema: pode
/desatar. Enfim, um grande amor pode acabar!? Esta foi apenas minha
interpretação como leitora; certamente há outras, esta é a beleza da poesia
contida nas Aldravias.
escrever / apagar /
reescrever / assim / vida / conta
O poeta, em seis
palavras, ilustrou poética e filosoficamente a vida. O que é a vida senão uma
sucessão de recomeços? Recomeços de propósitos, decisões impensadas, escolhas
equivocadas, enfim, coisas que precisam ser “apagadas” e “reescritas”, para que
sigamos em frente, até o fim, porque o tempo é contabilizado sempre. Para
o poeta é assim que vale a pena? cada leitor que faça sua própria
interpretação.
ABRA-SE PARA POESIA
Viriato Moura
1) dias / idos /sem
adeus /não / partem
2) de / ataque /de
/vida /súbita /morreu
3) ventos / sopram
/ algodão / feito / nuvens / terrenas
4) seus / pecados /
fizeram / inveja / ao / padre
5) com / medo / do
/ inverno / outono / amarela
6) caminho /atrás
/de / mim / encontro /outros
7) aurora / fecha /
cortina / palco / das / estrelas
8) mendigo /morto /
sua / miséria / mais /viva
9) lavava /
saudade / com / água / dos /olhos
10) desnuda
/sem / adereços / aldravia / emana / poesia
Seguimos com breves
comentários:
lavava / saudade /
com / água /dos / olhos
Esta Aldravia
carrega consigo a beleza das coisas simples; leva-me a imaginar uma mulher
velha carregando na cabeça um tacho cheio de água dos olhos, para lavar a
saudade da juventude, dos dias felizes, e de quem se foi. Belíssima construção
poética!
desnuda / sem
/ adereços / aldravia / emana / poesia
Neste poema, o
poeta declara seu amor pelo gênero que escolheu para sua escrita poética:
palavras fortes que, em versos, compõem belas metáforas sob as quais,
resguardada, repousa a poesia. Compete a cada leitor, descobri-la e encantar-se
com ela.
Viriato Moura nasceu em Xapuri, no então Território do Acre, em 19 de outubro de 1947. É médico, empresário na área de saúde, artista plástico e autor de mais de duas dúzias de livros sobre poesia. Vive na cidade de Porto Velho, onde presta relevantes contribuições à saúde, às artes plásticas e às letras de Rondônia.
CARMÊNIO BARROSO
Os versos de
Carmênio costumam ser bastante inspirados; fica-se com a certeza de que vêm do
recôndito de sua alma sensível. Pretendemos comentar, embora sucintamente,
alguns aspectos de sua poesia.
Os poemas de
Carmênio são primordialmente líricos; diríamos que são centrados no eu, no
sonho e na fantasia, na saudade, na paixão, o que nos remete à subjetividade da arte romântica.
E isto é tão bonito!
Como exemplo,
citamos este belíssimo poema, composto em 1979:
OS VERSOS
Eu crio versos, como faz o ninho, /A pomba que
perdeu seu companheiro; / Recolho os cavacos do caminho, / Num sonho em vão que
ainda tem parceiro! /
Os versos que se faz e se confia /A um destino que
não seja o lodo.../ São lidos no silêncio que arrepia / E falam mais alto que
um artigo todo! /
Os versos meus são estilhaços d’alma, / Que se
partiu por certas coisas vãs, / Talvez querendo o furacão à calma / Ou
certamente uma legião de fãs! /
São rimas extraídas da procela, / Dos vendavais da
nossa própria vida, / São cores chamuscadas da aquarela / Que nos retrata a
alma enternecida! /
São gritos do meu eu enclausurado / Que se retorce
com o que tanto sente, / Carregando a bagagem de um passado / Nos caminhos
fugazes do presente! /
O poema Os
Versos apresenta cinco estrofes em quadras, ou seja, cada estrofe
possui quatros versos. O eu lírico está presente em primeira pessoa, para falar de seu
sentimento mais dorido: a solidão, solidão esta provocada pelo abandono de um
amor, de uma parceira: Eu crio versos
como faz o ninho, / A pomba que perdeu seu companheiro; / Recolho os cavacos do
caminho, /Num sonho em vão que ainda tem parceiro!
Destaca-se, nesta
estrutura poética, o talento do poeta não apenas no que diz respeito à
expressão do sentimento, à linguagem poética, como também no que se refere
à metrificação e às rimas,
aspectos importantes neste gênero literário, pois estes imprimem musicalidade
aos versos: o poema apresenta versos decassílabos e um esquema de rimas
alternadas.
No que se refere
à morfologia, há
a prevalência de rimas pobres, ou seja, palavras que
pertencem à mesma classe gramatical. Porém, há também rimas ricas: lodo/todo (substantivo e adjetivo –o pronome todo neste contexto é adjetivo), vãs/fãs (adjetivo e substantivo), vida/enternecida (substantivo e
adjetivo), sente/presente (verbo e
substantivo), rimas constituídas de palavras de diferentes classes gramaticais.
SONHOS AMENOS
Carmênio
Barroso
Os meus sonhos repetidos / E tantas vezes sonhados
/ Viraram longos vestidos / Cheios de muitos babados. /
Viraram teias imensas / Onde se prendem meus ais /
Viraram nuvens tão densas / Donde não saio jamais. /
Quisera sonhos pequenos / Que gostamos de lembrar;
/ Doces, fagueiros, amenos... / Que dão prazer de sonhar. /
O poema Sonhos
Amenos possui três estrofes de quatro versos (quadras). Os versos
são isométricos, ou seja, apresentam medida igual, todos heptassílabos (sete sílabas
poéticas). A exemplo do poema anterior, as rimas também são alternadas, pobres e ricas. Logo na primeira
estrofe, encontramos rimas ricas: repetidos/vestidos
(adjetivo e substantivo) sonhados
/babados (adjetivo e substantivo).
O eu lírico
está presente na expressão dos sentimentos do poeta, que construiu metáforas
belíssimas, verdadeiros adornos poéticos, que enriquecem sobremaneira este
poema e o tornam uma pérola literária. Cabe ressaltar a natureza dos
sentimentos de tristeza e lamentos presentes no poema, o que nos reporta a
poemas da época do Romantismo.
Carmênio Barroso
pode ser definido como um poeta que incorporou a seu trabalho
características de diferentes movimentos literários. Observo em seu livro Solilóquio alguns
poemas com versos livres (Modernismo) e poemas de forma fixa. (Parnasianismo).
Porém, aquilo que se constitui no cerne de sua poética é o lirismo sentimental. Os poemas
de sua autoria que mais o definem são os poemas clássicos, não no sentido
literal, mas aqueles que apresentam versos isométricos e rimas
elaboradas.
Carmênio compõe
belíssimos sonetos, forma de poema bastante utizada no Brasil, até a Semana de
Arte Moderna, ocorrida em 1922. A despeito do Movimento Modernista, ao qual
aderiu a maioria dos poetas da época, o Soneto permanece vivo até os dias
atuais. Consagrado por Vinicius de Moraes, o soneto brasileiro contemporâneo
passou a ter sua própria identidade.
A MUSA MENINA
Carmênio Barroso
Eu ouço o sussurrar da voz bonita, / Brejeira
e sensual, altiva e bela!/ Não é Maria – pela voz é Estela; / Não foi
Moema -- pode ser Anita!/
Ouvi dizer que a voz é infinita / E que no
burburinho da procela / Há bilhões de vozes e uma só é dela: / A musa augusta
que o amor habita!/
Quisera eu que, em água cristalina, / Em que meu
ser se envolve na refrega, / Eu buscasse o amor dessa menina. /
E o fizesse como quem carrega / No coldre da
alvissareira sina / Um vendaval de amor que não se nega! /
O soneto brasileiro
contemporâneo incorpora traços de diversas escolas literárias; passa longe da
objetividade e da impessoalidade, características estas que remontam ao auge do
Parnasianismo.
A tônica do soneto Musa Menina é a lírica amorosa. O esquema rimático nas duas quadras é
constituído de rimas interpoladas (ABBA); os dois quartetos
apresentam rimas ricas: bonita/Anita (adjetivo e substantivo), bela/Estela
(adjetivo e substantivo), infinita/habita (adjetivo e verbo), procela/dela (substantivo e pronome).
Nos tercetos, as rimas são alternadas CDC e DCD; há
transposição de rimas do primeiro ao segundo terceto. Cabe ressaltar a musicalidade imprimida pela beleza das
rimas nesta composição. Do mesmo modo, cabe destacar o vocabulário erudito utilizado
pelo autor. Enfim, os poemas de Carmênio Barroso nos remetem à beleza dos
poemas clássicos.
Dados sobre o
autor:
Carmênio Barroso nasceu em 13 de agosto de 1930, na cidade de Jaguaruana, no estado do Ceará. Radicou-se em Porto Velho muito jovem. Poeta, cronista, colaborador dos jornais Alto Madeira e O Guaporé, publicou crônicas e poemas, de 1959 a 1963. Carmênio é bastante conhecido em Porto Velho por sua atividade como empresário, mas também é reconhecido por sua arte poética.
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