Quinta-feira, 19 de março de 2020 - 15h38
A proposta deste trabalho é
revelar ao público-leitor a beleza da poesia produzida pelos poetas que aqui
vivem. Estamos falando sobre pessoas apaixonadas por literatura, pela expressão
artística através da escrita. E sabemos que esta expressão torna-se necessária,
imperativa mesmo, àqueles cuja arte faz parte de sua humanidade, de seu próprio
ser.
Ainda muito jovem, punha-me a pensar nas diferentes formas de
arte; como são belas! Então dei-me conta de que a expressão artística que mais
me emocionava era a que me chegava à alma através da palavra.
O que diferencia a literatura das outras artes
é a matéria -prima com a qual o artista trabalha: a linguagem. Mas não se trata
de uma linguagem qualquer; o fazer
literário pressupõe escolher cada palavra, trabalhá-la tal qual o joalheiro
burila uma pedra preciosa, estudar-lhe a posição no verso, ou na frase, avaliar
sua multiplicidade de sentidos, até retratar, através dela, o sentimento que
lhe vem à alma. Creio que esse processo é intrínseco à arte de poetizar, sobretudo,
seja qual for a forma que tenha o poema. Mário Quintana define bem o significado dos
poemas:
Os poemas
Neste despretensioso Ensaio Literário, apresentaremos alguns
poemas de Gesson Alvares Magalhães, um mestre, nome reconhecido por gerações de
alunos e professores e pelo meio acadêmico.
Gesson é um poeta clássico,
um homem apaixonado pelas letras, com as quais é bastante familiarizado. O
fazer poético de Gesson é ricamente elaborado; observa-se o cuidado com as
estrofes, com a metrificação dos versos, com as rimas, com a tonicidade das
sílabas.
No livro Amor Eterno, todos os versos do poeta
têm como tema sua musa inspiradora, o grande amor de sua vida, sua esposa, Ivete.
Gesson é um artista que,
através da poesia, expressa de forma singela seus sentimentos mais puros.
Gesson desnuda a própria alma na expressão do eu lírico; a lírica amorosa é a
tônica de seus poemas nesta obra. Destacamos o poema Ontem e Hoje.
ONTEM E HOJE
Eras
a virgem mais bonita e pura / Que havia no colégio; Eras tão linda, /
Que
ao ver-te a vez primeira, fiz a jura / De dedicar-te uma afeição infinda. /
Amaste-me
também, e a estrutura / Do amor que ali nasceu perdura ainda. /
Depois
de trinta anos de ventura, / Tua beleza me é sempre bem-vinda. /
Hoje,
nossos cabelos estão brancos, / Já sofremos da vida os duros trancos, /
Já
temos filhos, netos e uma neta. /
Não
és mais a mocinha bela e doce, / Mas para mim, é tal qual se ainda fosse /
Aquela
Musa que me fez poeta. /
O fazer poético de Gesson é
diversificado; porém a forma de poema que prevalece em seu trabalho é o soneto.
O poema Ontem e Hoje apresenta
quatro estrofes isométricas, formadas por versos decassílabos estruturados em
duas quadras (ou quartetos) e dois tercetos, constituindo-se de catorze versos:
esta é a característica que distingue o soneto, poema tradicionalmente de forma
fixa.
Nas duas quadras,
encontramos rimas alternadas (ABAB).
Do ponto de vista morfológico, as rimas da primeira quadra, pura/jura (adjetivo e substantivo), linda/infinda (adjetivo e adjetivo) são rimas ricas e pobres
respectivamente; na segunda quadra, temos rimas pobres e ricas estrutura/ventura (substantivo e
substantivo); ainda/benvinda
(advérbio e adjetivo). Todas as rimas apresentadas são rimas chamadas graves ou femininas, assim denominadas,
quando as palavras, de acordo com a acentuação tônica, são paroxítonas.
No primeiro terceto,
encontramos rimas emparelhadas e ricas (CCD)
brancos/trancos (adjetivo e
substantivo). O mesmo ocorre no segundo terceto, rimas emparelhadas e ricas (EED), doce/fosse (adjetivo e verbo). Há transposição de rima do primeiro
ao segundo terceto; neste caso, temos rima interpolada em D.
No poema ONTEM E HOJE, observa-se o rigor métrico, rítmico e rimático,
características do soneto clássico.
A temática do soneto ONTEM E HOJE está evidente na primeira
quadra: o amor profundo que a musa desperta
no poeta, desde que este a vê, vez
primeira, na adolescência. E segue,
desenvolvendo o tema, na segunda quadra.
Nas duas últimas estrofes (tercetos), temos a conclusão da ideia inicial: o tempo (trinta anos) e as
dificuldades da vida não diminuíram o sentimento de ambos; o amor perpetuou-se, deu frutos, e o poeta expressa e reitera a
grandiosidade desse amor pela mulher amada. No último verso, a chave de ouro. A história de amor do poeta com sua amada está
plenamente contida em catorze versos. Lindo!
Destaco neste espaço quão
rica é a obra literária de Gesson Alvares Magalhães. No soneto ONTEM E HOJE, o poeta nos encanta com sua
lírica amorosa, versos que expressam com maestria sua subjetividade, seus
sentimentos mais puros. Porém, somos surpreendida por outra habilidade de
Gesson, habilidade e talento evidentes no livro PARÓDIAS & PERFIS, publicado este em passado recente (2019).
O livro foi ordenado em duas
partes distintas: a primeira apresenta paródias de poemas clássicos da língua
portuguesa; a segunda, apresenta perfis;
este último trata de pessoas,
familiares, tipos, coisas, livros, eventos, enfim, pluralidade de pessoas, objetos e acontecimentos que fazem
parte da vida e inspiraram o autor: há que se ler para que se possa ter a
dimensão do múltiplo talento e da perspicácia de Gesson, de seu aguçado senso
de observação da realidade e de sua elevada capacidade de análise crítica.
Esses aspectos são imprescindíveis sobretudo à paródia; no caso específico da
literatura, este gênero se constitui em um recurso da intertextualidade, ou seja, o autor descontrói um texto já existente
(normalmente clássico bastante conhecido) e o reescreve, respeitando-lhe a
estrutura, porém modificando-o sob à sua ótica. Cabe mencionar que, falar sobre paródia,
leva-me, de pronto, à sátira.
Fazem parte da sátira: zombaria,
escárnio, achincalho, malícia, ridicularização, crítica, enfim, tudo isso
existe nos poemas satíricos de Gregório de Matos, poeta brasileiro (1636-1696)
que difundiu este gênero de poesia. No rastro da sátira (e com ela de mãos dadas),
surge a paródia.
Destacamos do livro Paródias & Perfis, de Gesson
Alvares Magalhães, um dos sonetos de Raimundo Correia, importante poeta da
literatura brasileira, que formou com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac a famosa Tríade
Parnasiana. Apresentaremos, na sequência, a paródia de autoria de Gesson
Alvares Magalhães.
Mal secreto
Raimundo Correia
Se a cólera que espuma, a
dor que mora / N’alma e destrói cada ilusão que nasce;/ Tudo o que punge, tudo
o que devora / O coração, no rosto se estampasse; /
Se se pudesse o espírito que chora / Ver através da máscara da
face, / Quanta gente talvez que inveja agora / Nos causa, então, piedade nos
causasse! /
Quanta gente que ri, talvez consigo /Guarda um atroz, recôndito
inimigo / Como invisível chaga cancerosa! /
Quanta gente que ri, talvez existe, / Cuja ventura única
consiste / Em parecer aos outros, venturosa! /
O tema do soneto Mal
secreto, de Raimundo Correia, trata da verdade oculta que mora no recôndito d’alma de cada ser humano; quantas dores ou
aflições as pessoas carregam consigo, sem deixar que esses males ou outras
emoções lhes transpareçam na face? Como desvelar os verdadeiros sentimentos que
estão no coração do outro, se este usa sempre uma máscara de felicidade? Ou
seja, quais as chagas que vivem escondidas por detrás dessa usual aparência? O
poeta conclui seu pensamento no último terceto: há pessoas cuja única
felicidade (ventura) é aparentar aos outros que é de fato feliz.
O tema deste clássico da literatura brasileira inspirou nosso
poeta Gesson Alvares Magalhães a compor uma de suas paródias. Assim, destacamos
Mal concreto.
MAL concreto
Gesson Alvares Magalhães
Se corrupção, mentira, safadeza, / E qualquer outro que não foi citado,
/ Tudo o que atinge, “quase” com certeza, / Prefeito, Senador ou Deputado. /
Se se pudesse colocar na mesa, / O caráter do “privilegiado”, /
Quanta sujeira a exigir limpeza, / E quanto podre a ser extirpado! /
Quando chega o período da eleição, / Quantos se mostram como a
salvação, / proclamando a maior honestidade.../
Mas depois, no exercício do mandato, / Demonstram-se piores do
que rato; / Fraudam o povo e faltam com a verdade. /
Este soneto de Gesson Alvares Magalhães reporta-nos de imediato à poesia satírica. A sátira literária pode estar presente na
paródia, através da crítica, da ridicularização, do achincalho.
A paródia de Gesson começa subvertendo o título do soneto de
Raimundo Correia: Mal secreto (um mal que reporta a sentimentos ocultos,
ao que está por trás das aparências e refere-se ao ser humano de modo geral).
Gesson o parodia com Mal concreto, ou
seja, o Mal é evidente e sabemos
onde ele está “quase” com certeza.
Nesta paródia, há crítica escancarada, escárnio, achincalho, ridicularização e
ironia (vide título); o humor faz parte da essência da paródia.
O fio condutor do poema original (Mal secreto), evidentemente parodiado, está presente ao longo de
todo o soneto de Gesson: na apresentação do tema, no desenvolvimento e na
conclusão. O último verso encerra o soneto-paródia com chave de ouro: Fraudam o povo e faltam com a verdade.
A estrutura poemática do soneto de Raimundo Correia foi mantida
pelo autor de Mal concreto; a
paródia de Gesson utiliza figuras de linguagem presentes no soneto de Raimundo
Correia: anáfora, antítese, metáfora.
A segunda parte do livro de Gesson Alvares Magalhães é
constituída do que o autor denomina Perfis (Pessoas, Familiares, Tipos,
Coisas, Livros e Eventos). Considerei oportuno destacar, entre tão
belos poemas, o Perfil de um Soneto, talvez
por uma questão de veneração literária.
Perfil de um Soneto
Gesson Alvares Magalhães
Leia estes versos, bem
devagarinho, / Sem ver a forma, sem olhar a rima, / São versos feitos com muito
carinho, / Só para conquistar a sua estima. /
Leia...Não pare! Siga este
caminho, /Embora, pra você, ladeira acima, / Chegando ao topo, haverá outro clima,
/ E então verá, que não há tanto espinho. /
Catorze versos só, nos
quais, com jeito, / Procuro dizer tudo o que eu quero, / Num esforço para tudo
ser perfeito. /
Em duas quadras e mais dois
tercetos, / Eis, de você, o que mais eu espero: /Que aprenda, assim, a gostar
de sonetos. /
O tema do poema é óbvio,
pelo título. Na apresentação, o poeta convida o leitor, provavelmente refere-se
a um leitor que não está habituado a esta estrutura poemática, à leitura do
poema; como recusar um convite feito tão amorosamente? Porém, se a tarefa for
árdua “ladeira acima”, cansativa, que não desista, pois, ao chegar ao topo, aí
sim, encontrará um clima ameno, ou seja, atingirá a compreensão plena do poema,
as dificuldades iniciais da linguagem poética ficarão para trás, são os
espinhos, e o leitor finalmente aprenderá a gostar de sonetos, a magia que
acontece em apenas catorze versos, distribuídos em dois quartetos e dois
tercetos. Lindo!
Este soneto apresenta o
seguinte esquema de rimas nos quartetos e nos tercetos respectivamente: ABAB (rimas alternadas), ABBA (rimas interpoladas e emparelhadas),
CDC (alternadas), CDC (alternadas). Na primeira quadra,
há rimas ricas, devagarinho/carinho (advérbio
e substantivo) e rimas pobres rima/estima
(substantivo e substantivo); na segunda quadra, há rimas pobres, caminho/espinho (substantivo e
substantivo) e rimas ricas, acima/ clima
(advérbio e substantivo. Nos tercetos, há rimas ricas, jeito / perfeito (substantivo e adjetivo) e pobres, tercetos / sonetos (substantivo e
substantivo). O poeta demonstrou sua maestria e familiaridade com este gênero
de poesia, ao combinar três rimas, transpondo-as do primeiro ao segundo
terceto.
Da segunda parte do livro, Perfis, no quesito Pessoas, destacamos outro soneto, este satírico, para demonstrar ao
leitor a versatilidade do talento de Gesson Alvares Magalhães. O poeta utilizou
algarismos romanos para identificar os poemas no que se refere a Perfis.
IV
Arrogante, vaidoso,
prepotente, / De verborreia fluente e rebuscada, / A pose de jurista
“inteligente”, / Que fala, fala, mas nunca diz nada. /
Com seu falar enganou muita
gente, / Da política fez a sua estrada, / Chegou a Senador, como suplente, /
Depois, eleito, fez sua escalada. /
É que, com muito poucas
exceções, / Políticos comparam-se a feijões: / Se postos n’água, todos, por
inteiro, /
O que não presta, o chocho,
o vagabundo, / Flutua, sobe, enquanto, lá no fundo,/ Só fica o bom, o cheio, o
verdadeiro./
Este soneto impecável,
decassílabo, com rimas alternadas nas duas quadras, ABAB; rimas emparelhadas nos dois tercetos, CCD, EED, e transposição de rima (interpolada) em D, do primeiro ao segundo terceto,
eterniza a crítica do poeta à arrogância, à enganação e à escalada social dos
políticos que integram o parlamento brasileiro. Através da descrição de um
deles, o poeta utiliza uma metáfora, para conduzir o leitor à realidade: todos
os políticos, com raras exceções, são como feijões na água: os que flutuam (os
imprestáveis) são os que galgam elevados postos, funções relevantes na
sociedade; porém, aqueles que são verdadeiramente úteis à nação permanecem na
base da pirâmide social. Há que se ressaltar e enaltecer esta bela crítica
social feita pelo autor. Cabe lembrar que um soneto desse nível pode provocar
no leitor importantes mudanças em seu olhar sobre o panorama social e político
de seu país, de seu estado, de seu município.
DADOS SOBRE O AUTOR:
Gesson Alvares Magalhães
nasceu em Santana dos Brejos, estado da Bahia, em 12 de outubro de 1934. Graduado
em Língua Portuguesa, pela Faculdade de Ciências e Letras de Jandaia do Sul, no
Paraná, possui cursos de Pós-Graduação, realizados na PUC – Belo Horizonte e
UNIR – Rondônia, respectivamente.
Em Rondônia, além de
professor universitário e Assessor Parlamentar na Assembleia Legislativa de
Rondônia, onde ocupou cargos de grande relevância, exerceu outras funções de destaque
no serviço público estadual.
Gesson Alvares Magalhães é
Membro Fundador da Academia de Letras de Rondônia, escritor, poeta, professor
de Língua Portuguesa. Vive em Rondônia desde a década de 1980.
A
POESIA DE JÚLIA TRINDADE
Destaco a poesia de Júlia
Trindade pela forma moderna, com traços de contemporaneidade, através da qual
se expressa. No fazer poético da autora, há predominância da lírica amorosa:
quanto sentimento contido nos versos livres e brancos de Júlia!
Existem conceitos simplistas
sobre a literatura brasileira contemporânea, destacando-a sob uma perspectiva
meramente cronológica. Certamente a literatura brasileira contemporânea carrega
em seu bojo um conjunto de várias escolas literárias; esta característica
transparece em contos, crônicas, poemas e romances. Porém, há que se ressaltar
que existem alguns aspectos, além da forma e do conteúdo, que identificam a
contemporaneidade nas produções artísticas. O filósofo italiano Giorgio Agamben
(O que é contemporâneo e outros ensaios,
Argos, 2009) centra sua opinião sobre o tema em dois pilares: dissociação e
anacronismo.
A contemporaneidade,
portanto, é uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao
mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o
tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que
coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem
perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não
conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela.
A poética de Júlia é
inspirada no passado, em suas vivências; isto fica bastante claro ao longo de
seu fazer poético, como se o eu lírico
afirmasse: Meu ser é o conjunto de todas essas vivências! Não obstante as
lembranças, há a presença da reflexão do ponto de vista da mulher madura, que
vive seu próprio tempo, e do olhar analítico e poético sobre sua vida, seus
amores, suas paixões, suas alegrias, suas decepções, seu sentimento de
abandono; e isto significa uma dissociação, um corte entre passado e presente. Ao
mesmo tempo em que se reporta ao passado, o
sujeito lírico toma distância dele.
Júlia lançou apenas um livro
de poesias: Canto... por enquanto canto. Porém, sua produção literária é vasta, continua escrevendo poemas, contos
e crônicas.
Coletamos deste seu primeiro
livro de poesia alguns poemas, dentre tantos que nos enlevaram a alma:
Febre
Júlia Trindade
Primeira estrofe: Hoje eu pensei /naquele meu vestido verde, /no
moço de rosto afogueado, / no som do bolero num fim de ano. / Eu tinha febre e
dançava. / A cabeça doía, /mas me esquecia da dor nos braços dele. /
Segunda estrofe: Quando ele
saiu do meu mundo / com outra vestida de noiva, / fiz um piquenique / comi
“hamburger” com lágrimas, / bebi “cuba libre” como veneno. /
Terceira estrofe: Ah! O reencontro... / Sua cabeça baixa, / seu
crespo cabelo louro, / o banho no regato... / E eu rindo, rindo, / dele, do
vestido verde, / do bolero num fim de ano, / da noiva, da febre que afundavam.
Este poema transporta
literalmente o leitor ao cenário bordado por Júlia, através de seus lindos
versos: homem e mulher, jovens, ela em seu belo vestido verde, rostos colados,
corpos unidos, tudo isso em meio à penumbra de um salão e ao som de um bolero.
Pura magia!
O eu lírico faz-se presente
na expressão do sentimento de dor, dor esta física e emocional, de mágoa contida,
do grande amor que salta dos versos. A autora construiu metáforas, remetendo ao
contemporâneo e ao antigo: comi
hamburger com lágrimas, bebi
cuba libre como veneno; este
é outro traço da contemporaneidade de Júlia. A estrutura poemática de Febre é constituída de três estrofes: a
primeira com sete versos; a segunda com cinco versos e a terceira com oito
versos: versos livres e brancos. Na última estrofe, a conclusão: anáfora na
repetição das palavras (rindo, rindo)
para enfatizar o tom da melancólica ironia com a qual Júlia encerra seu poema. Lindo!
Na sequência, do livro Canto... por enquanto canto, destacamos
o poema Clamor, poema este que, de
pronto, nos remete ao sentimentalismo exacerbado dos poetas românticos. É uma
composição poética que trata de um clamor infinito, pela volta do amado, ao
mesmo tempo que expressa um misto de saudade, tristeza e desilusão. Clamor é constituído de quatro
estrofes, e, de certa forma, eu o considero quase minimalista: como um poema
com estrutura tão “frágil” pode conter tema e versos tão fortes? Percebe-se a
delicadeza feminina nesta composição de Júlia Trindade; apesar do tema, forte,
o clamor ao amado é feito em versos curtos e delicados. Na primeira estrofe,
temos dois versos; na segunda, temos três versos; na terceira, cinco versos; na
quarta, apenas um verso.
Clamor
Primeira estrofe: Ah! Amado
meu, /encontra o caminho de volta! /
Segunda estrofe: Retrocede o
tempo / Ao dia de tua despedida / e deixa tudo continuar como dantes! /
Terceira estrofe: Ah! Amado meu, / me traz de volta o teu
sorriso, /a tua ternura, / tua presença forte, / o teu amor! /
Quarta estrofe: Traz de
volta a minha vida! /
O poema Clamor transborda sentimentos doridos, sentimentos estes que
apresentam traços dos poemas da segunda geração do Romantismo. A autora
utilizou recursos de figuras de linguagem, para enfatizar a veemência com a
qual o sujeito lírico clama pela volta do amado. Encontramos repetição
(anáfora, aliás, belíssima) no primeiro verso da primeira estrofe e no primeiro
verso da terceira estrofe: Ah! Amado meu; encontramos repetição de sons
(aliteração em d) na segunda estrofe: dia,
despedida, deixa, dantes; na terceira estrofe, aliteração em t: traz, teu, tua, ternura, tua. A autora
prossegue, no verso final, com aliteração em t: traz, e em v: volta, vida; esta
última bastante sugestiva, enfatizando a veemência da declaração poética: sem
você, não há vida!
O poema que selecionamos, na sequência, é uma
demonstração da contemporaneidade na poesia de Júlia:
Codificação
Para não mais entrares/ em
minha vida, / vou me codificar. / Quero te ver sofrer / por não decifrares /
minha senha. /
O texto por si só remete o
leitor à modernidade da tecnologia: a senha é comumente usada para que se possa
acessar determinado arquivo, informações, coisas do gênero; através desta
metáfora, em apenas seis versos curtos, a autora nos conduz à conclusão da
relação de amor que inspirou o poema.
Como é de seu estilo, Júlia
utiliza a leveza da linguagem coloquial-criativa, versos livres e brancos, aliás,
simples e belos como água cristalina.
Conceito
Primeira estrofe: Conheço
tua manha, / tua sanha, tua trama. /
Segunda estrofe: Conheço teu
jeito, / teu feito, teu leito. /
Terceira estrofe: Conheço
teu enredo, / teu medo, teu segredo. /
Quarta estrofe: Só não
conheço teu coração! /
Destacamos este poema,
porque, além da beleza do conteúdo, ele apresenta um diferencial: a presença de
rimas; nas duas primeiras estrofes, rimas
encadeadas, ou seja, as palavras que rimam se situam no fim de um verso e
no início de outro: manha/sanha; jeito/feito; enredo/medo; ainda na segunda estrofe, há rimas emparelhadas, jeito/leito.
Para conferir força aos
versos e relacioná-los ao título (Conceito), a autora utilizou a mesma palavra
para começar o primeiro verso das três estrofes, compostas estas de dois versos
cada uma; isto é um recurso estilístico denominado anáfora: Conheço
tua manha, / Conheço teu jeito, / Conheço teu enredo, /. A última estrofe é
constituída de apenas um verso.
DADOS SOBRE A AUTORA:
Júlia Trindade nasceu em
Manaus- AM. Seus pais, amazonenses, radicaram-se em Porto Velho no ano de 1959.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, Júlia tornou-se
Auditora Fiscal do Governo do Estado de Rondônia, tendo ocupado, ao longo de
trinta e cinco anos, várias funções de destaque nessa área. Júlia, hoje aposentada,
vive em Porto Velho, onde continua a produzir sua literatura.
Sandra
Castiel: Professora de Literatura Brasileira e Língua Portuguesa, Pós- Graduada
nas duas áreas de atuação, Mestre em Educação e Cultura Contemporânea. Membro
efetivo da Academia de Letras de Rondônia.
Quando eu era nova, o tempo não era um tema que eu considerasse instigante. Para mim bastava pensar que a vida é o que é, ou seja, tudo se modifica
Ela não era fumante, nunca foi, e se casou com meu pai, que fumava desde a meninice. Ela passava mal com o cheiro forte do cigarro impregnado nos le
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Porto velho: natureza em chamas
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