Domingo, 27 de março de 2022 - 15h20
Na última
semana, familiares e amigos acompanharam minha irmã, Mariza Castiel, à
derradeira morada. Marisa era a sexta na ordem decrescente das sete filhas de
Marise e Rapahael Castiel; irmã de Léa, Ana Maria, Helena, Sônia, Sandra e
Enid. Marisa era viúva de Claudio, mãe de Marise e Raphaela, avó de Ana Maria,
Lucas e Manoela, bisavó de Aurora, sogra de Everaldo e Etiane, além dos
cunhados e de uma legião de sobrinhos, para os quais era a tia preferida.
Mariza
era de longe a mais carismática, a mais popular, a mais alegre, a mais
espirituosa e cheia de vitalidade das sete filhas.
Para
Mariza, a vida era uma festa permanente. Muito engraçada, costumava imitar as
irmãs e a infinidade de pessoas com as quais convivia; não tinha como não
deixar os problemas de lado e entregar-se aos encantos daquela personalidade
incrível que também carregava na alma forte empatia com os mais pobres.
A
situação de pobreza de pessoas que viviam em barracos, mães sozinhas sem
condições de alimentar os filhos, por exemplo, abalavam o coração de Marisa de
forma profunda. Diante de um panorama de miséria, ela não chorava; sua reação
era conversar com aquelas pessoas, conhecer todos os integrantes da família,
contar piadas, fazê-los rir e tornar-se uma amiga querida dessas pessoas, para
a vida inteira, pois dava um jeito de voltar ao lugar levando alimentos,
lençóis, redes e brinquedos usados, objetos diversos, enfim, pequenas coisas
que tornariam menos difíceis os momentos dessas famílias. Quem a conheceu de
perto sabe que tal atitude diante da pobreza era completamente verdadeira e
provocava reações desse tipo em minha irmã.
Morava eu
então no Rio de Janeiro, fazia cursos e estudos na área da Educação, e, de vez
em quando, vinha a Porto Velho para ver minha mãe, irmãs e demais familiares.
Numa
dessas estadias, Mariza, bastante entusiasmada, convidou-me a visitar uma
creche que conseguira erguer em parceria com Padre Bento, para atender as
crianças de determinado lugar que viviam em situação de pobreza. Falou-me sobre
a dificuldade de erguer a casa que seria a creche, sobre a luta para
conseguirem um local, coisas assim; mas enfim ela e Pe. Bento estavam na luta.
A ideia
da creche surgiu quando Mariza resolveu entrar em um dos barracos erguidos em
volta de um bueiro. Ali deparou-se com uma criança sozinha, presa a uma
corrente, deitada em uma rede. Conversou com a vizinhança e ficou sabendo que a
mãe daquele menino frágil e desnutrido (à época com cinco anos) prendia-o
daquela maneira em casa, quando ia ao trabalho, a fim de livrá-lo dos
traficantes do lugar; estes usavam crianças pequenas para entregar drogas na
comunidade. O menino em pauta chamava-se Jones e sua vida inspirou minha irmã a
erguer uma creche naquela comunidade, para que as mães (solteiras em grande
maioria) pudessem trabalhar, e as crianças fossem alimentadas e cuidadas. Assim
teria começado a luta de Mariza e Pe. Bento, uma grande batalha.
A Visita
Entrei no
velho carro de minha irmã Mariza e dirigimo-nos para a tão sonhada creche, que,
segundo ela, estava em pleno funcionamento. No caminho, notei que nos
embrenhávamos por ruas (ou seriam caminhos?) onde o mato era bastante crescido.
A topografia do lugar era acidentada, e Mariza parou o carro num local mais
alto. Dali avistei o tal bueiro, rodeado por vários e minúsculos barracos.
Descemos
do veículo e ela caminhou à minha frente em meio ao capim alto e ao chão de
barro. Olhei pra frente e avistei o que era na verdade um barraco maiorzinho,
erguido com pedaços de madeira; notei que havia uma janela também de pedaços de
madeira; na parede, um cartaz onde se lia: CRECHE MEU PEQUENO JONES.
No
interior do espaço, observei que as paredes estavam repletas de cartazes com
figuras recortadas de bichinhos e flores, frases em letra manuscrita pela
própria diretora e professora da creche; reconheci a letra de minha irmã Mariza
em todos os cartazes; um deles trazia uma frase que ouvíamos de nossa mãe
(maior educadora que conhecemos): “O professor é como a vela; consome-se
iluminando.”
Eu já
estava bastante impactada com o ambiente de pobreza do ambiente. No espaço
principal, havia duas mesinhas velhas e bancos de caixote onde estavam sentadas
várias crianças, desenhando em folhas rasgadas de caderno.
Em dado
momento, minha irmã tocou um sino e chamou-me para a janela. Mal pude acreditar
no que via. Dos precários barracos em volta do bueiro saíam dezenas de
pequeninas crianças, meninos e meninas que corriam em direção à creche: algumas
usavam apenas um short velho, outras vinham completamente nuas.
Ela os
recebeu com alegria e entusiasmo, não havia onde sentar, sentaram-se em
pequenos círculos no chão. Do segundo cômodo da creche, na verdade um cubículo
com um fogão e um filtro de barro, surge, carregando pratos de alumínio e
colheres, uma senhora adorável, voluntária que preparava a sopa.
Famintas,
aquelas crianças perguntavam se podiam repetir. Diante daquele quadro, eu
tentava disfarçar as lágrimas, mas ela percebeu minha emoção e disse em tom de
brincadeira: _ Está chorando, né?
O que
aconteceu depois todos devem saber, a creche cresceu, foi acampada pelo
município e minha irmã dedicou a maior parte de sua vida àquele sonho. A
educação do município de Porto Velho foi engrandecida pelo trabalho da
professora Mariza Castiel.
Minha
irmã Mariza era igual ao nosso pai, uma verdadeira judia cabocla: simples como
um copo d’água; seus pratos preferidos eram os regionais, costumava ir pra
cozinha e preparar com satisfação vatapá, caranguejo com farofa, coisas assim.
As frutas que comia quase diariamente eram pupunhas e tucumãs acompanhadas de
seu copo de café puro.
Falei
pouco sobre Mariza. Muito mais há a falar, diante da riqueza de sua
personalidade, diante de sua vitalidade, de sua risada inconfundível, das
várias pessoas que ajudou ao longo da vida, dos momentos em família.
Minha
irmã Mariza, sentirei saudade de tudo! A vida de suas irmãs e filhas não será a
mesma sem sua presença. Até algum dia, amada irmã!
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