Quarta-feira, 25 de maio de 2022 - 10h17
Quando
comecei a conhecer meu rosto, percebi nele duas luzes acesas, tão brilhantes...
Apagavam-se
quando eu adormecia, e, ao amanhecer, apresentavam-me a vida.
Mais
do que as pessoas, encantavam-me os animais, as árvores, a delicadeza das
flores, o céu, os rios, e tudo que neles havia.
Em
minha numerosa família, não tínhamos festa de aniversário, mas recebíamos
presentinhos e muitos abraços.
No dia
em que fiz nove anos, meu pai tomou-me pela mão e levou-me para o comércio; fiquei
extasiada! A mão forte de meu pai segurando com força minha mão de criança...Meu
entusiasmo não cabia no peito. Não importava o sol intenso da cidade, às duas
horas da tarde, não importava o apressar do passo em meio aos buracos das ruas
de barro para acompanhar o andar daquele homem alto e forte; era o meu pai.
Assim,
entramos numa modesta lojinha da rua Barão do Rio Branco, e as luzes dos meus
olhos tornaram-se mais intensas: pequenos brincos de ouro enfeitados com
pedrinhas, sobre um veludo grená, e a voz forte do meu pai: - Sandra, escolha!
Maravilhada,
escolhi um par de brincos que ficavam pendurados nas orelhas. Ao olhar meu
rosto no pequeno espelho sobre o balcão, descobri a vaidade. Confesso que
cultivo esse alegre sentimento até hoje.
Não sei o que foi feito dos brincos, mas sair
com meu pai foi o presente mais bonito de minha infância.
Ponho-me a pensar na infinidade de imagens que
meus olhos já viram, “montanhas “de imagens das mais diversas naturezas: belas,
esplendorosas, fascinantes, tristes, dramáticas, terríveis, enfim, todas elas
enviadas para o cérebro e armazenadas neste incrível departamento, que é a
memória.
Hoje,
poucas imagens me surpreendem neste mundo de meu Deus; talvez por essa razão
meus olhos tornaram-se cansados, apesar das lentes, e acham que não vale a pena
abarrotar o cérebro com tantos recursos digitais; vai que o próprio arquivo transborde?
Que me
perdoem os que não compreendem e criticam: continuo a fotografar e a contemplar
a natureza, e tudo o que dela vem: amo os animais. Dói-me seu olhar inocente a
confiar no homem. Fazem-me lembrar da história de João e Maria, duas crianças
presas pela bruxa malvada que os fazia engordar, para leva-los ao caldeirão,
além dos pobrezinhos que são abandonados nas ruas do mundo, nas estradas, para
a morte certa.
Meu
sentimento de amor pelos animais (aprendi com meu pai) só aumenta e será assim
até o último dia de minha vida. Tenho gato, tenho cachorro, alimento os
passarinhos que vivem nas árvores. Como dizia o filósofo, a vida inteira precisamos
de graça e gentileza. Certamente isto acende as luzes festivas dos meus olhos
cansados...
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