Terça-feira, 7 de março de 2017 - 19h50
Um aspecto positivo da modernidade é a indução à reflexão de temas polêmicos. Isso não significa que a sociedade resolva seus grandes conflitos, mas pelo menos é levada a pensar sobre eles, o que considero um grande passo; acredito que criaram o Dia Internacional da Mulher para que o mundo reflita sobre a importância deste personagem para a humanidade; isso nos conduz a uma pergunta inevitável: por que não criaram ainda o Dia Internacional do Homem? Acho que a resposta é óbvia: não criaram porque afinal o mundo sempre foi dos homens, ou pelo menos, o homem sempre deu as ordens no planeta.
Quando ouço as jovens mulheres proclamarem aos quatro ventos o empoderamento (palavra nova) da mulher, ponho-me a pensar no meu mundo pequeno, nas mulheres da minha vida e em meu próprio desempenho nessa área.
Na infância, o exemplo de mulher que comandava minha vida e a das minhas seis irmãs era muito diferente da grande maioria das mulheres daquele tempo: trabalhava fora de manhã, de tarde e nos fins de semana e ponto: que se virassem as filhas, que se virasse o marido, que tratassem todos de manter o funcionamento da casa, comumente precário; possuía uma rara capacidade de analisar os problemas e apresentar soluções; idem com relação ao senso de justiça. O conjunto desses aspectos fazia de minha mãe uma mulher que em nada parecia com as outras de sua época. Todo dia ouvíamos dela: “Menina, o primeiro marido de uma mulher é o diploma!”
Certamente minha mãe sofrera influência de minha avó materna, mulher durona, que vivia separada do marido, juiz de direito, e trabalhava para viver numa época em que as mulheres deviam ser apenas prendadas. Isso mesmo: quando eu tinha 15 anos de idade, ouvia muito esta frase nas casas das vizinhas: Fulana vai casar bem, porque é uma moça prendada! Isso significava que a garota desempenhava bem as funções relativas às prendas do lar: bordava, cozinhava, fazia doces, engomava as roupas, coisas assim. Aliás, era comum na hora de preencher documentos, as mulheres escreverem na lacuna destinada à profissão a seguinte expressão: Prendas do Lar.
Na minha juventude tudo era proibido para a mulher, principalmente tudo relacionado a sexo: casar virgem era obrigatório para uma moça de família. O mundo das “moças de família” era pequeno nesse sentido, afinal, era pecado sentir algum tipo de desejo sexual; mulher que manifestasse desejo era chamada de uma palavra horrível, no meu entendimento a mais abominável e preconceituosa que uma mulher pode ouvir até hoje: vagabunda.
Levo horas a pensar na trajetória da mulher desde a minha meninice até os dias de hoje. Vivíamos num mundo em que os modelos femininos eram as princesas dos contos de fada: Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida, todas virgens e escolhidas pelos príncipes, com quem se casariam e viveriam felizes para sempre. Boa parte do mundo mudou e continua em transformação; difícil é mudar a cabeça dos homens, sobretudo da maioria dos homens brasileiros, criados no seio do machismo alimentado pelas próprias mães. É duro para o homem brasileiro aceitar a liberdade de escolhas da mulher em todos os níveis; observo que a mudança que mais fere o homem é se dar conta de que a mulher amada não lhe pertence, não é um objeto seu, a mulher pode fazer outras escolhas que não o incluem; disto decorre tanta violência, crimes contra a mulher.
A gente avança nos anos e conquista toda a liberdade do mundo, mas o que fazer com ela? Amadurecemos (mulheres e homens) e não chegamos íntegros ao fim do caminho; ao longo da travessia, perdemos parte de nós mesmos: nosso desejo, nossas paixões, nossos sonhos... Mesmo que cultivemos nossa essência, tudo se transforma. No final, acredito que a questão do gênero deixe de ser tão importante, afinal, poderemos enxergar claramente que somos todos parceiros nesta jornada que é a vida...
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