Sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013 - 17h09
Cada criatura humana carrega consigo duas almas: uma que olha de dentro para fora, e outra que olha de fora para dentro. A alma interior normalmente se nutre do que trazemos conosco ao nascer, algo que transcende o imediato e que verdadeiramente nos humaniza. Porém, ao que parece, esta alma não é suficiente para que a chama da motivação se mantenha vívida, daí a necessidade da segunda alma, a perigosa alma exterior, a alma que nos domina e nos motiva a viver. Se à primeira alma basta a consciência de que podemos respirar e contemplar a vida, a natureza e a grandiosidade de tudo que é eterno, à segunda alma isto não é suficiente; esta quer mais; leviana, pode ser mudada ao gosto do freguês.
Pus-me a pensar na natureza de minhas duas almas, depois de reler o conto O ESPELHO de Machado de Assis, conto através do qual o personagem Jacobina esboça uma nova teoria sobre a alma humana, afirmando que na verdade cada ser humano tem duas almas, afirmação que deixa perplexos os ouvintes (no contexto do conto, em seu universo interior) e mais ainda perplexos os leitores (fora daquele contexto, ou seja, no exterior).
O curioso é que essas duas almas se completam como metades de uma laranja. Porém a leviandade da alma exterior reside no fato de que o objeto de sua motivação nem sempre é nobre, tanto pode ser um amor clandestino, como pode ser o dinheiro (no caso dos que dedicam a vida a fazer fortuna), ou o exercício do poder (no caso de alguns políticos que não sabem viver sem ele etc.). Modernamente o culto ao corpo e ao que se padronizou como beleza tem sido a alma exterior de muita gente.
Em O ESPELHO, o personagem de Machado de Assis conta como aos 25 anos de idade foi guindado a um posto de certa importância à época (alferes); sua condição social passou de homem anônimo a objeto de bajulação até dos próprios familiares. Como resultado, o sujeito acostumou-se com tudo aquilo e só reconhecia a si próprio se envergasse o traje de alferes diante do espelho. Aí sim, a vida passava a lhe fazer sentido. O homem perdera-se de si mesmo, sua alma exterior era a farda, era a própria vaidade.
Daqui de meu modesto observatório, ponho-me a identificar a alma exterior de alguns personagens (reais e de ficção, acho fantástico), sem esquecer da minha própria; mas como é coisa minha, não vou entregá-la a ninguém; prefiro, pelo menos por enquanto, tentar nutrir minha alma interior, afinal não temos todos duas almas?
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