Sábado, 6 de outubro de 2012 - 16h52
Tenho uma sobrinha querida, jovem mulher que está em fase de conclusão do curso de Psicologia. Há alguns dias, encarregou-me de falar sobre a condição feminina e seus desafios, assim como encarregou outras mulheres de diferentes gerações, pois isto faz parte de um trabalho do curso que ora conclui. Eis-me aqui a falar sobre o tema.
Sou de uma geração em que, desde tenra idade, aprendia-se que mulher nasceu para casar e ter filhos. A grande maioria dos livros que nos chegavam às mãos contava histórias de princesas colocadas em perigo por uma figura feminina má (comumente, a madrasta que vira bruxa) e libertadas da torre ou salvas da morte por um príncipe loiro, corajoso e galante. Portanto, nós meninas crescíamos convictas de que haveria um príncipe que nos salvaria das eventuais adversidades da vida, nos levaria para um maravilhoso castelo e, após uma festa de casamento que entraria para a história da Corte, seríamos eternamente felizes e teríamos muitos filhos, anjos perfeitos e obedientes.
Na verdade, este era o discurso da sociedade de minha geração; um discurso que, curiosamente, não ficou cristalizado de todo em minha alma: jamais sonhei com um casamento de princesa (esta parte da história consegui superar), mas não escapei da segunda parte: a idealização romântica que envolve a maternidade.
Em minha geração ser mãe era tudo; meses depois do casamento, as pessoas começavam a cobrar: Tem novidade? (novidade significava gravidez). No meu caso, que demorei dois anos para engravidar, isso representou um drama terrível, quase insuportável. Passava horas imaginando a gravidez e sua sublime evidência: a barriga. Ansiava ficar grávida e ver meu corpo se transformando, a barriga crescendo, os seios aumentando; isto aliado aos sonhos com relação ao filho ou filha: o rosto que teria, o modo como eu o educaria, o ser maravilhoso e perfeito que se tornaria, as alegrias que iria proporcionar a mim e ao pai etc etc. Assim eram os valores impingidos às mulheres de minha geração.
Nascido o filho, passada a animalesca e traumática experiência do parto natural, cumprido o papel que a sociedade esperava dela, a mulher de minha geração, se tivesse uma profissão, teria pela frente um conflito terrível: trabalhar fora ou dedicar-se inteiramente ao filho e às prendas do lar. No meu caso, foi uma fase muito difícil.
O discurso dos homens da geração de meu marido era forte: lugar de mulher é em casa, cuidando dos filhos e do marido. Mas e as aspirações profissionais de minha vida? Os estudos aos quais me dedicara a vida inteira? O prazer de realizar trabalhos compatíveis com o grau de instrução que havia adquirido a duras penas àquela altura da vida? O que eu faria com tudo isso?
O semblante inocente e frágil da criança que eu tinha para cuidar e a ideia de deixá-la entregue, por algumas horas que fosse, a uma babá para trabalhar fora de casa era um martírio. Então, vencida pelo conflito e pelas pressões, capitulei e decidi ficar em casa; e em casa, permaneci vários anos, acompanhando pelos livros, pelas revistas e pela TV as conquistas femininas; silenciosamente, acatava cada uma daquelas conquistas, sobretudo, a que considerava a mulher tão apta para o trabalho quanto o homem, além de muitas outras, ainda hoje impublicáveis para uma mulher que respeita o universo familiar acima de tudo.
Apesar da identificação com a modernidade, eu não podia externá-la; se o fizesse, era olhada com desconfiança, até por mulheres de minha própria família. Assim, vários anos depois, enfrentando muitos desafios e uma situação familiar adversa, voltei à minha profissão com o apoio de minha mãe; afinal eu tinha uma mãe que passara a vida inteira trabalhando fora de casa, embora isto não configurasse um padrão de conduta a ser seguido em minha família, pois cada contexto e cada núcleo familiar apresentavam suas próprias peculiaridades.
Tantas anos depois, meu olhar sobre as mulheres modernas não capta tanta diferença assim, não na essência; há, sim, um discurso vanguardista de valorização das capacidades da mulher, que se iguala ao homem no mercado de trabalho, a existência de modernas creches, a ajuda e a parceria do companheiro etc. Porém, enxergo na mulher de hoje o mesmo ideal romântico com relação ao casamento e à maternidade, as mesmas expectativas das princesas de minha infância. Quanta ilusão!
Príncipes são meras idealizações, assim como casamentos que envolvem “almas gemas”; para manter um casamento é preciso conviver com a diferença, respeitá-la e desenvolver certa sabedoria para aceitá-la.
Os filhos nascem e crescem, aí percebemos que não são perfeitos; são sim pessoas comuns que se tornam cheias de problemas como todos nós. E nós mulheres, diferentemente das outras fêmeas do mundo animal, não os abandonamos depois de criados: passamos o resto de nossa existência a cuidar, a velar, a proteger.
Se parasse por aí, já estaria de bom tamanho o grau de comprometimento da mulher com relação à cria; porém, há outro componente pior, e este nos perseguirá até o derradeiro suspiro: a CULPA.
Quando algo dá errado na vida do filho jovem ou adulto, a gente se culpa logo: eu não o eduquei direito porque estava estudando ou trabalhando (ou ainda, as duas coisas), por isso isto aconteceu. Com frequência, antes mesmo que a gente se culpe, o marido, os parentes e aderentes se encarregam disso.
O fato é que, independentemente da geração a que pertençam as mulheres, existe um fio condutor que aproxima sua psiquê e cuja origem é complexa: Valores culturais e antropológicos? Condição imposta pela natureza feminina? Não tenho respostas precisas. Apesar de ter vivido seis décadas, sou uma mulher que tem muito, muito mesmo a aprender.
E. T.: A propósito, as histórias preferidas de minhas netas, pequenas, são os contos de fada; apesar dos recursos tecnológicos usados nos filmes, os personagens e os contextos são os mesmos: princesas, madrastas malvadas e príncipes salvadores. Felizes para sempre!
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