Sábado, 5 de novembro de 2011 - 11h32
Noutro dia assisti ao filme sobre a vida de Charles Darwin, o cientista inglês cuja teoria contida no livro A Origem das Espécies causou o maior rebuliço na humanidade. O filme é muito bom, chama-se Criação. Mostra um Darwin ainda jovem, na Inglaterra dos idos de 1850, mais ou menos, casado e pai de muitos filhos. Darwin era cristão. Mas à medida que avançava nas descobertas científicas, suas convicções religiosas diminuíam. Perdeu completamente a fé quando morreu sua filha de dez anos.
Atormentado e cético, Darwin tenta trazer para sua realidade a esposa, que, desesperada, busca na religião algum consolo para a morte dessa filha, uma menina linda e inteligente, com quem o jovem pai Darwin mantinha uma afinidade transcendental.
– O Céu não existe! – Diz à esposa um Darwin até certo ponto cruel, tentando fazer com que a mulher, de joelhos diante do altar, veja o mundo através de seu olhar de cientista.
Pobre mãe... Como suportar tanta dor, a não ser imaginando a filha, no Céu, saltando sorridente, de uma nuvem para outra, rodeada de anjinhos loiros e cacheados?
A dor seca do pai é tão forte que atinge em cheio o espectador.
Darwin é casado com uma prima e atribui a esse parentesco a enfermidade da filha. Culpa-se também por ter tirado a criança da casa de campo onde viviam e tê-la levado consigo para a cidade, a fim de ser tratada por um médico em quem confiava. O tratamento não consegue debelar a doença e a menina passa por grande sofrimento, definhando longe da mãe, alojada com o pai em um quarto de hospedaria, onde se dá a morte.
Torturado pela culpa, Darwin vê o espírito da filha com frequência, busca auxílio médico e não concorda com a argumentação de que seu inconformismo estaria fabricando alucinações. Volta ao quarto da hospedaria onde ficara com a filha, tentando seguir-lhe os rastros do espírito. E enfim ali, no ambiente em que a menina agonizara e se fora, deixa que o pranto até então contido lhe lave a alma. Quanta dor!...
O filme sobre a vida de Darwin é mais do que um filme sobre a vida de um importante cientista, um dos mais notáveis da humanidade. O aspecto mais marcante da história toda é ver na tela, em relevo, a fragilidade de nossa existência e de nossas convicções, a inconstância de nossa alegria, a insustentabilidade de nossa leveza.
O mote explícito do filme é a dualidade Criação e Evolução, ou seja: Deus criou o homem e o universo, ou então Deus não existe e o homem é apenas uma espécie que evoluiu.
Os extremos presentes na trama- Fé e Descrença, Felicidade e Tristeza- me reportaram à problemática filosófica das dualidades ontológicas do Ser - leveza e peso –. A condição humana é marcada por essa dualidade: numa perspectiva existencialista a leveza é a liberdade plena, o não engajamento, o descomprometimento total. Tudo mais é peso. Isso, porém, despoja a vida de seu sentido, não?
Por isso, prefiro um conceito de leveza dissociado dos pressupostos filosóficos existencialistas. Acredito que temos sim certa leveza, afinal não vivemos apenas guiados pelos instintos, temos consciência dos nossos sentimentos, desenvolvemos nossa percepção e ela nos revelou a Arte, a Estética e a Música entre outras belezas. Refletimos sobre a vida, refletimos sobre a morte, e isso certamente nos eleva e nos enleva.
Nessa perspectiva, o Ser possui certa leveza, é verdade. Uma leveza que lhe alimenta a alma e que é colhida do que é imutável e bom: o riso de uma criança, o amanhecer de um novo dia, o pôr do sol, as estrelas do céu, o voo de um pássaro, o amor pelos filhos e tantas outras coisas que são verdadeiramente importantes e nos trazem felicidade.
O filme sobre Darwin me pôs a refletir: como sustentar essa leveza, se temos consciência da finitude de tudo que amamos, inclusive da nossa própria? Que Ser sustenta sua leveza, vendo partir para sempre seus entes amados? Como manter a alma liberta e leve num mundo de matéria densa, onde pairam energias que emanam do que há de pior no ser humano, sentimentos como a inveja, a ganância, o egoísmo, o rancor, o ódio contra o próximo, a indiferença ao sofrimento do outro?
Diante de tudo isso, só me resta o peso existencialista do engajamento, do comprometimento, do refúgio na fé e na alegria; resta-me, pois, esse peso, enquanto não o perco. Preciso urgentemente assistir a um filme de Jim Carrey. Viva a Vida!
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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