Sábado, 20 de agosto de 2011 - 14h33
Diariamente, visito meu correio eletrônico. Além do trivial, há com frequência mensagens que contêm frases ou textos eventualmente atribuídos a algum célebre escritor. Algumas mensagens vêm ilustradas com belas imagens, música erudita etc. e trazem ensinamentos sobre a vida e sobre como enfrentar situações adversas. No mínimo, isso é algo positivo. Interessante é que a pedagogia contida nessas mensagens me reporta, embora em outro aspecto, às lições morais das fábulas de minha infância.Aliás, é impressionante como certas coisas provocam na gente lembranças remotas. Isto me leva a suspeitar de que minha alma é contemporânea de Matusalém.
É óbvio que a linguagem dessas mensagens é outra, a forma de comunicação é outra, os temas costumam ser os que inquietam o homem contemporâneo, o século é outro. Mesmo assim, por mais absurdo que alguém possa considerar, essa interessante pedagogia filosófica, guardadas evidentemente as devidas proporções, me reporta às fábulas.
Quem com mais de quarenta anos não leu as fábulas de La Fontaine e de Esopo? Quem com mais de quarenta não se lembra de A Raposa e as Uvas, A Lebre e a Tartaruga, A Cigarra e a Formiga, O Ratinho da Cidade e o Ratinho do Campo, O Homem, o Menino e o Burro entre tantas outras?
É provável que o elo encontrado por minha memória entre as duas formas de expressão seja o propósito do ensinamento. A diferença é que as fábulas trazem claramente no final uma lição moral, algo que, uma vez lido e relido na infância, fica plantado no mais profundo de nosso ser e que, em determinadas circunstâncias, nos ocorre ao longo da vida.
As mensagens que normalmente circulam entre endereços de amigos pela internet, atualmente, costumam trazer um discurso de autoajuda e, normalmente, cumprem seu papel, pelo menos em parte. Quem não precisar de uma mãozinha de vez em quando, no sentido de uma injeção de ânimo, que atire a primeira pedra. Sou sincera: eu preciso.
Há algum tempo recebi uma mensagem que me levou à reflexão. A mensagem versava sobre a vida de um pássaro; um pássaro que morava há anos no que sobrou de uma árvore morta e apodrecida, cujo tronco parcialmente submerso no meio de um pântano poluído supria-lhe as necessidades essenciais: pequenos vermes e insetos que sobreviviam do tronco serviam-lhe de alimento; gotinhas de chuva ou de orvalho aplacavam-lhe a sede. Ali dormia e ali acordava. Nunca voara, pois não sabia como usar as asas. Aliás, mesmo que soubesse, isto se tornaria difícil, pois vivia com as penas desalinhadas em decorrência da lama do pântano. Acostumara-se, portanto, àquela vida no meio da sujeira e do odor fétido que emanava do charco.
Eis que um dia, ao entardecer, uma tempestade terrível abateu-se sobre o local. Em toda sua vida, o pássaro jamais presenciara uma tormenta de tal porte. Parecia interminável.
Finalmente, quando cessou a forte chuva, a pobre ave, ensopada, percebeu que o nível do pântano havia subido, e o tronco apodrecido que lhe servira de morada por tanto tempo seria tragado em segundos pela lama fétida.
A morte era iminente, não havia como livrar-se dela. E o infeliz pássaro, submergindo junto com o tronco podre, já podia sentir o amargor, a viscosidade do lodo e toda sua fetidez adentrando-lhe garganta abaixo.
Em meio à situação desesperadora, uma ideia chega-lhe à mente, rápida como um lampejo: precisava voar!... Alçar vôo, afastar-se dali. Sim! Esta seria a única alternativa à morte. E o pássaro, evidentemente, desejava viver.
Foi então que, numa tentativa desesperada, equilibrando-se na ponta do tronco que submergia rapidamente, chacoalhou o corpo encharcado, abriu as asas desengonçadas, batendo-as e impulsionando-as para frente, com o fio de vigor que ainda lhe restava, lançando-se, assim, em vôo cego sobre a negritude da noite e sobre a imensidão do pântano. No início, achou que não conseguiria, pois voava tão baixo e tão devagar que podia sentir a lama pútrida tocar-lhe as penas tortas. Porém, lentamente, o voo tornou-se mais alto e menos vagaroso, afastando-o para longe dali.
Claro que a história tem um final feliz: o pássaro descobre um bosque próximo, local onde a natureza é intocada e verdejante, e passa a viver os seus dias entre flores, frutos e muitos outros pássaros das mais variadas espécies. Moral da história: às vezes, situações terríveis acontecem para que sua vida seja transformada para melhor; você só precisa ter coragem para enfrentar o momento, a tempestade, e voar sobre o pântano. Este é o discurso subjacente à mensagem.
Cá com meus botões, a essa altura da vida, algumas vezes penso que a sequência acontece de maneira inversa: na infância e na juventude, somos o pássaro vivendo no bosque verdejante. Quando nos chegam os cabelos brancos, nos damos conta de que o bosque era apenas um cenário, aliás, um frágil cenário a encobrir o real. E o real é o tronco sobre o pântano e sua lama pútridaa nossos pés. Passamos então a vida tentando permanecer no cenário de flores, borboletas, árvores e canto de passarinhos. Mas a certeza da existência do pântano, encoberto sob o belo e frágil cenário, vive em nós; cedo ou tarde, teremos que nos lançar em voo cego e rasante sobre a lama humana. Detalhe importante: não temos asas.
Por isso prefiro as lições descomplicadas das fábulas. Além de ensinar simplicidades como “quem corre cansa e quem anda alcança” elas eternizam em nós o bosque florido, como se nunca fôssemos envelhecer e morrer.
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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