Quinta-feira, 22 de dezembro de 2011 - 14h40
Já fazia algum tempo que a família - pai, mãe e filhas - chegara a Belém do Pará, para onde seguira a fim de tentar uma nova vida longe de Porto Velho. 1959: ano difícil.
Nos primeiros dias, os parentes da mãe, que residiam em Belém, ajudaram nas acomodações, afinal era uma família numerosa, muitas filhas, quatro delas ainda pequenas. O pai afastara-se do emprego em Porto Velho, sem vencimentos, por perseguições políticas; a mãe licenciara-se por alguns meses, mas o salário de professora era insuficiente. Recomeçar a vida no Pará, de onde haviam saído há muito, parecia impossível.
As filhas mais velhas conseguiram pequenos trabalhos em Belém, mas ganhavam apenas alguns trocados, ainda eram estudantes. No início faltava o supérfluo, aquilo que torna a vida mais prazerosa. Com o tempo, os dias pareciam mais longos e tristes: temia-se que faltasse o essencial. A essa altura, começaram os desentendimentos entre o casal.
A angústia do pai era evidente. Saía de manhã cedo, em busca de trabalho, procurava amigos dos velhos tempos da juventude, que lá deixara, tentando uma colocação que lhe garantisse um salário, e nada... No olhar da mãe que esperava, a apreensão velada.
Com o dinheiro parco, o cardápio do almoço passou a ser sempre o mesmo: na grande mesa de jantar, em frente a cada cadeira, sobre a toalha branca, um caranguejo cozido e um prato fundo de açaí com tapioca, os abençoados alimentos regionais. Naquela época, em Belém, para sorte daquela família, esses alimentos eram vendidos a preço de banana.
Certa manhã, o desentendimento entre o casal culminou com uma discussão terrível. O pai, lívido, saiu porta afora, enquanto as filhas buscavam na mãe uma explicação que não vinha: - Como explicar a pobreza e o desencanto? - Como explicar que nenhum amor resiste imune ao caos econômico, sobretudo se há tantas crianças para sustentar?
Àquele dia era véspera de Natal, mas a atmosfera festiva da cidade não entrara naquela casa; a família estava triste, as crianças pararam de brincar, estranhavam a sisudez da mãe e a ausência do pai. Já começava a cair a noite, e o pai, que saíra cedo, após a briga, não voltara para casa. Onde poderia estar? Sozinho, a perambular pelas ruas, sem dinheiro sequer para pagar uma refeição...
Foi então que uma das crianças, a caçula, avistou da janela a figura do pai e, rapidamente, chamou as outras. Ficaram, pois, assim, as quatro irmãzinhas a contemplar o pai pela vidraça molhada, já que uma chuva fina principiara. Do outro lado da rua, protegido apenas pelas sombras da noite, parado na chuva, o pai. Seu olhar estava fixo na casa e nas filhas.
A mãe, ao tomar conhecimento da situação, dirigiu-se rapidamente ao lugar onde ele estava. Abraçaram-se longamente e, de mãos dadas, caminharam de volta ao lar. Para aquela família, certamente aquele foi o instante em que nasceu Jesus, o anjo celestial da Paz.
Momentos depois, um parente bateu na porta trazendo um recado ao pai. Dizia-lhe que um velho amigo, a quem procurara dias antes, precisava falar com ele, e que o assunto era urgente. O pai então partiu correndo ao encontro do amigo.
Não se passaram duas horas e o pai estava de volta a casa. Não cabia em si de contentamento. O amigo, dizia ele, além de contratá-lo para prestar um serviço temporário, dera-lhe um pequeno adiantamento. Afinal, era Natal.
Então, de um embrulho modesto amarrado com barbante, que trazia nas mãos, o pai retirou quatro bonequinhas de celuloide, que comprara para as filhas menores no caminho, e várias barras de chocolate, que fizeram a alegria e a festa da família. O restante do dinheiro que ganharia nos próximos dias, dizia ele com os olhos brilhando, pagaria as passagens de navio para que a família retornasse a Porto Velho, ali sim o porto seguro, o verdadeiro lar.
O tempo passou, e a vida seguiu seu curso.
Uma das crianças jamais esqueceu aquele Natal. Jamais esqueceu a pequena e pobrezinha boneca de celuloide, o presente mais valioso que recebeu em toda sua vida. Naquele Natal, a menina descobriu em si um sentimento cálido e grandioso: a reconfortante segurança de ter pai.
Hoje ela sente que, de onde está, o pai continua abençoando as filhas, que cresceram e tornaram-se mães e avós.
Que Deus o abençoe também. Feliz Natal pra você, papai.
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