Sábado, 26 de novembro de 2011 - 09h39
Gosto muito de ouvir e de contar histórias. Considero essa prática verdadeira viagem aos diversos mundos que costumo visitar para sobreviver às intempéries do nosso mundo, o real. Este nos torna secos. A magia e o encantamento da infância e da juventude vão se diluindo ao longo da vida a cada frustração, a cada decepção, a cada ameaça de tragédia, a cada infelicidade, a cada perda.
No meu caso, há muito percebi que preciso alimentar minha alma com um ingrediente que só encontro no universo infantil e no universo das pessoas que não envelhecem; estas são raras, mas existem. Sem esse fundamental nutriente, minha alma estaria perdida... Certamente faria o possível para retornar mais rapidamente ao mundo platônico das Ideias, ou à estrela de onde veio, antes de ser atirada na Terra, como acredita o filósofo.
O que fazer diante de uma dor irremediável, a não ser tentar aceitá-la e sublimá-la?
Noutro dia, a morte me privou de uma amiga muito próxima, fiquei enlutada.
Depois de alguns dias enrustida, triste, quase amargurada, eis que minha alma - mais uma vez - me propõe uma saída, aliás, a única cabível em seu simplório entendimento do que seja felicidade: deixar para trás este complicado mundo adulto - cenário de doenças, mortes, miséria, exploração, injustiças e toda sorte de maldades, e refugiar-se no universo da literatura infantil, mudar-se para o Sítio do Pica-pau Amarelo, o célebre sítio criado por Monteiro Lobato. Ir para lá de vez, de mala e cuia.
Uma vez instalada naquele paraíso, convivendo com Dona Benta, tia Nastácia, Visconde, Emília, Narizinho e Pedrinho, nunca mais pensaria em voltar. Ali, todos os problemas são resolvidos pela sabedoria de Dona Benta e pelo bom-senso de tia Nastácia.
Não foi à toa que Dona Benta, essa distinta senhora, foi convocada, juntamente com tia Nastácia, para representar a humanidade na Conferência da Paz, após a grande guerra que abalou a Europa.
Vivia-se uma época terrível de pós-guerra. O continente europeu estava devastado, não havia mais cidades, foram todas destruídas pelos bombardeios aéreos.
Ditadores, reis e presidentes das grandes nações reuniram-se em campo aberto, sob uma grande barraca de lona, para promover a paz. Porém, os discursos sobre a paz acabavam em briga, os dirigentes não chegavam a um acordo e continuavam guerreando - só que desta vez usavam palavrões em vez de balas e granadas.
O rei da Romênia levantou-se e falou:
- Senhores, será impossível promovermos a paz porque somos todos aqui representantes de países, e cada um de nós puxa a brasa para a sua sardinha. Como a brasa é uma só e as sardinhas são muitas, jamais chegaremos a um acordo.
O sábio rei dissertou sobre a necessidade de se convidar para o debate representantes da humanidade. – A humanidade é um todo do qual os povos são as partes - disse ele. - Aliás, a humanidade é uma laranja da qual os povos são os gomos.
Todos ficaram impressionadíssimos com a metáfora e com o discurso. Mas onde encontrar pessoas que pudessem representar a humanidade?
Foi aí que o Rei Coral, após rápido cochicho com o General de Gaulle, deu sua opinião:
-Só conheço duas criaturas em condições de representar a humanidade porque são as mais humanas do mundo e também são grandes estadistas. A pequena república que elas governam sempre nadou na maior felicidade.
Mussolini, desconfiado e curioso, quis saber:
- Quem são essas maravilhas de pessoas?
- Dona Benta e tia Nastácia, respondeu o Rei Coral. As duas respeitáveis matronas que governam o Sítio do Pica-pau Amarelo, lá na América do Sul. Proponho que a Conferência mande buscar essas duas maravilhas para que nos ensinem o segredo de bem governar os povos.
Em seguida, os dirigentes das nações sentaram-se no chão, fazendo uma rodinha, como fazem as crianças no jardim de infância, para ouvir as histórias do Sítio contadas pelo Duque de Windsor, que as ouvira de sua senhora, a Duquesa. Esta, por sua vez, lera bastante sobre nosso país e sobre o Sítio do Pica-pau Amarelo.
Essas reminiscências lobatianas calam fundo na minha alma meio cansada, meio desiludida e um tanto quanto decepcionada. Talvez por isso ela queira me levar ao encontro de legítimos representantes da humanidade, para viver naquele local – verdadeiro paraíso na terra, como o considerou o rei Coral.
Cá com meus botões, fico a pensar que só mesmo a sabedoria de Dona Benta, a irreverência de Emília e o bom-senso de tia Nastácia para consertar o mundo e a gente que nele vive...
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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