Terça-feira, 8 de setembro de 2020 - 18h13
Ponho-me a pensar na vida e sua efemeridade. Nunca tive problemas graves
de saúde, até que, em passado recente, vejo-me conduzida à entrada de uma UTI e
cercada de enfermeiras; enquanto uma tirava as roupas do meu corpo e os
brinquinhos de minhas orelhas, outra depilava minha pele e apresentava-me uma
fralda enorme. Fiquei estarrecida. Reclamei, falando que não podia ficar ali,
UTI? Não! Seria meu estado tão grave assim? Uma das enfermeiras conseguiu
acalmar-me um pouco. Dois jovens enfermeiros mascarados (aliás, todas as
pessoas que me atendiam usavam máscaras enormes e roupas de “astronauta”)
levantaram-me pelo lençol da maca onde eu estava e colocaram-me em uma cama de
rodas. Em seguida, adentraram comigo o espaço da UTI propriamente dito. No
caminho, pude ver alguns pacientes: lembro-me bem de uma mulher muito branca,
com seus cabelos tingidos de vermelho esparramados sobre o travesseiro alvo; na
hora veio-me à mente uma pintura que conhecia de algum lugar. Enfim colocaram-
me em um leito e fecharam as grossas cortinas azuis que o rodeavam; estas pareciam
feitas com um tipo de plástico adequado para o espaço. Então senti medo: pedi
que deixassem as cortinas abertas, pois não fico bem em lugares fechados.
Depois de alguns minutos, um dos médicos aproximou-se de mim, chamando-me pelo
nome (só conseguia ver seus olhos), mas o diálogo não foi reconfortante, até
porque eu estava com os nervos à flor da pele.
Ao longo dos 30 dias que permaneci ali (fiquei sabendo mais tarde), minhas
lembranças são de flashes, apenas flashes: imagens e conversas de enfermeiras e
médicos cobertos da cabeça aos pés, indo e vindo, e de um dos médico lavando as
mãos, em uma pia de frente para minha “casa”; era o mesmo médico que tentara
conversar comigo quando ali cheguei; memorizei a sua voz, parecia amigável. Não
sei como o reconhecia, se ficava de costas para mim.
Aquele cantinho onde fui colocada passou a ser uma espécie de casa para
minha mente afetada pelos sedativos e pela enfermidade. A sede era insuportável
e engolir era complicado, mas eu não entendia por que e sequer questionava o
que estava acontecendo. Porém, alimentava de vez em quando a ideia de fugir
dali para outro hospital, onde acreditava que seria melhor tratada.
Sede. Sede. Sede. E eu, do meu
ponto de observação, acenava para as pessoas, fazendo gestos que imploravam por
água. Ninguém parecia se importar. Depois fiquei sabendo que eu não podia beber
água. De vez em quando, uma alma mais sensível trazia-me uma seringa com algumas
míseras gotinhas do líquido da vida: doía muito engolir, mas eu suportava; pelo
menos por uns instantes a sede terrível que maltratava meu corpo diminuía.
Certo dia, disseram-me que meu filho havia morrido da mesma enfermidade:
entrei em desespero, clamava pelos sobrinhos e primos médicos que tenho,
clamava pelo outro filho, este do coração, enfim, precisava que alguém
esclarecesse aquela informação macabra. Adormeci de novo. Até que ouvi a voz familiar
do médico (este foi uma presença forte que insistia em trazer-me de volta à
vida) chamando meu nome, com o celular na mão; vi o rosto querido de minha
sobrinha e perguntei pelo meu filho. A resposta dela não conseguiu aquietar meu
delírio provocado pela doença e pelos sedativos; ela dizia que estava cuidando
dele. Houve outras chamadas de vídeo, mas faziam pouca diferença em meu estado
gravíssimo e letárgico. Porém eu não me dava conta disso, só me importava em
conseguir um celular para saber de meu filho. Tentava subornar as enfermeiras. Tentativas
inúteis.
Um dia ou uma noite, não sei, tive um momento profundo de lucidez.
Momento único desde que entrara naquele lugar. Então pensei em Deus; chegara-me
enfim a consciência de que nada mais os médicos poderiam fazer por mim, pelos
meus pulmões 90% comprometidos pelo maldito vírus chinês. Eu morreria ali, naquele
leito de UTI.
Naquele instante falei mentalmente ao Senhor: Meu Deus, se meu tempo neste
mundo acabou, estou pronta. Amo minha vida, meus familiares, meus amigos.
Porém, se chegou o momento final, entrego humildemente minha alma ao Senhor e
agradeço pela vida que me proporcionou. Aceito a morte.
Ato contínuo, enxerguei, claramente, algumas imagens, que, por motivos
óbvios, não descreverei aqui. Só posso dizer que, jamais, aquelas doces imagens
sairão de minha mente. Apaguei novamente. Quando despertei, meu filho estava
segurando minha mão. Não era mais um de meus delírios; eu havia deixado a UTI e
fora levada a um apartamento do hospital.
Agradeço ao trabalho de excelência da equipe médica da UTI do Hospital 9
de Julho, que salvou a minha vida. Médicos e enfermeiras competentes, preparados
e incansáveis. A todos, minha Gratidão eterna.
Gratidão que se estende aos grupos de oração e aos familiares e amigos
que clamaram a Deus pela minha cura. Quando as fervorosas e sinceras preces
chegam a Deus, juntam-se ao trabalho científico da Medicina, e o milagre
acontece. Esclareço que este relato é a expressão do ponto de vista de uma
paciente praticamente condenada à morte, letárgica, em estado gravíssimo, e
suas impressões do que sentia na UTI. Hoje estou em casa, em plena recuperação.
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