Segunda-feira, 10 de julho de 2023 - 18h19
De vinte e cinco anos para
esta parte, ou seja, desde que publiquei meu primeiro livro (História Regional,
em coautoria com o professor Marco Antonio Domingues Teixeira, 1998), chamou-me
a atenção certas frases como: fulano merece entrar para a História, o evento
tal é histórico. Tais declarações fizeram-me refletir sobre a natureza da
História e constatei que aqueles que a proferem são leigos no assunto (ou
estudaram tão superficialmente essa difícil ciência que não puderam se
aperceber de sua natureza). A causa para os primeiros e a consequência para os
segundos é determinada por uma percepção vaga e intuitiva do que seja a
História. Como todos os fenômenos passíveis da percepção humana, supomos que há
uma história real, “as coisas tal como aconteceram”, e uma coisa concreta, “as
coisas tal como as percebemos”, quando um e outro se aproximam temos a verdade,
mesmo que em sua inevitável provisoriedade.
O historiador
profissional não declararia que tal evento ou pessoa deveria entrar para a
História, porque sabe que ninguém “entra” para a História, apenas a fazemos e nela
estamos inseridos, seja como sujeitos individuais, seja como sujeitos
coletivos. É que o entrar para a História dá-nos a sensação de entrar para a
imortalidade, para o clube privativo dos “grandes homens”, vã ilusão, produto
da vaidade, esta sim imortal, apesar de humana. Quem é Nero, ou Napoleão? Um
nome, um busto em mármore ou pintura, um conjunto de fatos. Parafraseando Vinicius
de Morais: foi eterno enquanto durou, a imortalidade não ultrapassou sua
duração física. São hoje pouco mais ou menos que um símbolo cujos feitos em
vida, acreditamos, faz-nos compreender melhor a humanidade.
Compreender o passado
porque ele é humano como nós, talvez seja essa a única coisa que a História
pode nos fornecer. Se essa compreensão nos servirá para evitarmos problemas
futuros, isso já é outra história. Ao boquiaberto leitor, pasmo pelo que leu
até aqui, resta então concluir que a História não serve para nada? Ela não é a
mestra da vida? Não disse isso, uma coisa é se a História pode servir de guia
aos povos, outra coisa é se ela efetivamente serve a esse propósito na maioria
dos casos. A conclusão é que devemos continuar a estudar a História, para
fornecer a possibilidade de ser um guia para o futuro, embora limitado porque
os eventos são únicos. Sem ela andaremos definitivamente às cegas.
Mas para que ela possa ser
um guia é necessário que seja escrita. Afirmei ainda que todos os fatos são
históricos, desde o banal fato de você acordar de manhã e fazer seu desjejum,
quanto participar de qualquer movimento coletivo. Isso difere da questão que é:
quais fatos serão registrados pela História? A princípio, como todos são
históricos, qualquer um deles pode ser eleito. Um estudo sobre a culinária, por
exemplo, buscará saber como era o café da manhã nessa ou naquela época. Enfim,
a permissão para que os fatos entrem na História dependerá deles serem eleitos
por quem escrever essa história. Dado o registro desses fatos outros
historiadores (profissionais ou não) poderão utilizá-los, “eternizando-os”. Mas
o historiador não é o juiz soberano que decidirá quais fatos entrarão para a
história. De uma maneira geral fica como fato histórico o que a agenda de
alguma sociedade em algum momento elege como importante.
Bem, Belgrano José
Cavalcanti Alves fez isso, elegeu sua vida pessoal e trajetória profissional
como um fato histórico e publicou-a. Esse tipo de trabalho histórico é
conhecido por memória, ou seja, publicou suas memórias. Mas como toda a
memória, mesmo a dos indivíduos, não pode evitar o coletivo, a importância do
registro dessa memória pessoal está no fato de que foi envolvida por um momento importante para Rondônia. Não circunscreveu
uma individualidade estrita, embora nela a encontremos, mas esteve envolvida em
um conjunto de fatos coletivos daquele momento. É a percepção desses fatos que
a memória pessoal do memorialista, permite-nos conhecer.
Creio que todos devessem
fazer o mesmo, assim entrarão para a História. Tenham a certeza de que será
impossível tomar como fatos históricos aqueles referentes exclusivamente a si
próprios, falarão também e mais de suas épocas. Afinal, como declarou
Aristóteles, o homem é um animal político, entendida essa última palavra como
social. Suas forma, reflexões pessoais e gestos serão mais a expressão de uma
construção coletiva, de uma época, do que produto único e singular de um
indivíduo. Caso não tenhas o preparo profissional adequado não será o trabalho
de um historiador, mas servirá igualmente aos historiadores e à História.
Enfim, só se entra para a História quando se elege para o resgate, entre os
infinitos “fatos” da humanidade, um conjunto de eventos que serão registrados.
Nesse sentido, o conhecimento comum está certo, está na História o que está nos
livros de História.
O livro “Memórias de um
médico veterinário”, publicado em Recife, no ano de 2022 pela 19 Gráfica e
Editora é um bom exemplo disso. Iniciando pela infância e adolescência o autor
descreve o ambiente onde passou o período que é o mais importante de nossas
vidas, cujas influências repercutirão em todo o nosso porvir. Mas é o capítulo
sobre a vida adulta aquele que mais nos interessa como rondonienses. Inicia por
suas primeiras experiências de trabalho, na Bahia e em Pernambuco, sua terra
natal. Depois apresenta-nos a escolha definitiva, quando troca o curso de
Ciências Exatas pelo curso de Ciências Biológicas na UFRPE, onde vem a conhecer sua primeira esposa,
Maria da Paz, também médica veterinária que militou no serviço público, na
vigilância sanitária em Rondônia e aqui faleceu. Ainda no Nordeste, concluiu o
curso de Veterinária.
Em 1986 estreia sua
experiência amazônica quando parte para Manaus para iniciar o curso que o
levaria ao posto de oficial veterinário do Exército Brasileiro, que concluiu em
1987. Naquele mesmo ano foi enviado para servir em Porto Velho. Ainda no
serviço militar iniciou a colaborar com o Centro de Controle de Zoonoses do
Município de Porto Velho. Atuou também na área de epidemiologia, educação,
vigilância sanitária, meio ambiente e outras. Enfim, desenvolveu diversas
atividades no setor público, ocupando cargo de chefia em sua área profissional
e também no setor privado, como professor e comerciante de produtos para animais.
Fez viagens de estudos, em Houston, no Texas, de 1990 e 1991. Também concluiu o
mestrado em Biologia Experimental no
CEPEM entre 2004 e 2006. Outros fatos da vida política e social de Rondônia,
vivenciados pelo autor, são relatados no livro.
Finalmente, já aposentado,
retornou ao Recife em 2014. É então esse espaço de vinte e oito anos que viveu
em Rondônia, momentos iniciais do novo estado, a nova estrela do azul da União,
que Belgrano rememora em seu livro, a parte que é mais importante para nós,
rondonienses. Para finalizar, os fatos que Belgrano selecionou foram resgatados
para a História pela publicação dessa obra. Tornaram-se disponíveis à
utilização de qualquer historiador. Ao nosso amigo Belgrano, que conhecemos
juntamente com sua esposa nas lides profissionais de Porto Velho, damos nossos
sinceros parabéns.
Porto Velho, 10/07/2023
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