Segunda-feira, 24 de agosto de 2015 - 19h54
A liberdade de expressão, os direitos civis e a urbanização como expressões típicas da modernidade encontram uma de suas manifestações no jornalismo. Essa afirmação, contudo, deve ser relativizada no Brasil entre o Segundo Império e a Primeira República. Nessa época, os direitos civis não passavam de uma fantasia e a liberdade de expressão uma abstração. No Brasil, a modernidade se diluía, em meio ao arcaísmo de nossas instituições sociais. Todavia, de um fenômeno não podemos desvincular o jornalismo em qualquer época: a cidade e desta o comércio.
Os raros exemplares dos jornais do rio Madeira, do século XIX até a segunda década do século XX, que sobreviveram até o nosso tempo mostram esse crescimento comercial nas vilas e cidades do rio Madeira. Era ainda o comércio limitado à pequena população urbana e, talvez, aos poucos sítios agrícolas próximos. A clientela rural dos seringais não se servia do comércio urbano próximo, mas do barracão do seringal. Da limitação do comércio local derivava a limitação dos seus jornais: pouca população urbana e poucos leitores, também em razão do analfabetismo.
Salvo melhores pesquisas, o primeiro jornal do rio Madeira foi o “Rio Madeira”, que se definia como folha crítica e noticiosa. Temos dele cópias digitalizadas de dois exemplares datados de Manicoré, dias 18 de dezembro de 1881 (no. 5) e 18 de junho de 1882 (no. 28), ambos do seu primeiro ano de circulação. A não ser que encontremos título com exemplar mais antigo, fica esse sendo o primeiro ancestral dos jornais do rio Madeira.
Como estou interessado na vida comercial das cidades do rio Madeira no século XIX, procurei nesses exemplares anúncios comerciais. Não conseguiram mudar a opinião anterior de que o comércio local era restrito. Soube que naquele ano o Bazar Manicorense estava liquidando seus estoques porque seu proprietário ia retirar-se para a Europa, por motivo de doença. A pechincha consistia em vender o estoque aos preços do Pará. Abraham S. Israel, também estava se retirando do comércio local pelo mesmo motivo. Também de mudança de firma: um por falecimento de um dos sócios e outro por rompimento de sociedade. Porém não pudemos saber a que ramo do comércio era dedicado essas firmas.
A Loja Flora, a se acreditar no anúncio, vendia “muito baratos” tecidos e peças de vestuário aos clientes a quem chamava “compadres”. A Loja Lealdade também trabalhava no ramo de modas. Interessante é que essa casa propunha em seu anúncio abastecer outras casas comerciais naquele rio e delas comprar gêneros (agrícolas ou extrativistas certamente). Dois aspectos aqui devem ser ressaltados: é possível que o comércio urbano local promovesse uma espécie de escambo com a área rural e que em alguns casos havia uma relação direta de compra e venda desses produtos entre casas comerciais locais. A esse propósito, há um anúncio da Casa de Comissões e Consignações de Domingos de Almeida Souto, de Manaus. Esse ramo de comércio, ao que tudo indica, intermediava a compra de gêneros dos estabelecimentos rurais do rio Madeira e a compra de gêneros para esses estabelecimentos mediante comissão. Essas duas últimas casas comerciais parecem realizar uma atividade mercantil diferente das casas aviadoras, pois uma comercializava a troco de comissões e a outra comprava gêneros da produção rural e vendia suas mercadorias. Finalmente, digno de nota é um anúncio que trata de uma promissória referente à venda de uma escrava, demonstra que embora a escravidão africana fosse muito pouca na Província do Amazonas, ela existia também no rio Madeira.
Assim, entre comerciantes judaicos, escravos de origem africana, doenças, mortes, fim de sociedades, comissões, aviamentos e intermediações vão se alinhavando nos jornais do rio Madeira do século XIX interessantes sugestões de pesquisa.
Também em Manicoré surgiu o segundo jornal do rio Madeira, “Commercio do Madeira” no ano de 1884, era semanal e intitulava-se órgão especial do comercio. Apesar do título, apenas três notícias ligadas ao comercio local no quinto exemplar desse jornal: anuncia gratificação pelo paradeiro de um comerciante que explorou uma padaria e taverna naquela cidade; informa que a loja de João Francisco Dias & Cia. (coronel e proprietário também do mesmo jornal) recebeu pelo vapor Marajó tecidos e artigos de armarinho para homens, mulheres, crianças e gêneros de alimentação; a terceira informa os artigos à venda no estabelecimento comercial de Pedro Luiz Sympson: vestuário, cama e mesa, gêneros alimentícios, armas, munições e ferramentas, bebidas, papelaria e tabacaria.
Em 1887 surgiu a “Gazeta de Manicoré”, órgão do partido conservador. Pelo número de 16 de janeiro de 1887, soubemos da existência de um médico residente na povoação e um advogado. Ainda nesse mesmo número anuncia os últimos preços dos produtos na praça do Pará. Dentre esses, alguns artigos da produção do rio Madeira: azeite de andiroba, borracha fina, entre fina e sernambi, castanha da terra (do Pará?), couros, cumaru; estopa de castanheira, guaraná, óleo de copaíba, tabaco do sertão, ucuúba, manteiga de tartaruga, mixira e pirarucu seco. Alguns desses gêneros eram produzidos na vazante nas sazonais feitorias do rio Madeira, como a da praia do Tamanduá, onde se produzia manteiga de tartaruga e mixiras. Também em feitorias para a salga do pirarucu. Eram certamente destinados aos mercados consumidores locais, inclusive urbanos, pois eram nessa época gêneros de alimentação diária na Amazônia. Outros porém, certamente obtidos na praça de Belém para o abastecimento do rio Madeira como: farinha de mandioca e o sabão de cacau.
Em 1891 foi fundado na cidade de Humaitá o jornal semanal “Humaythaense” que ainda circulava em 1912. Por iniciativa da Madeira & Mamoré Railway Co. surgiu em Porto Velho em 1909 o jornal The Porto Velho Times, escrito em inglês. Em 1912, em Santo Antônio do Rio Madeira, pertencente ao município mato-grossense de mesmo nome, foi instalado o jornal “O Extremo Norte”. Naquele ano iniciou a irremediável decadência do negócio da borracha, derrotada pelas plantações inglesas do oriente. No ano da instalação do município de Porto Velho, 1915, surgiu aqui seu primeiro jornal: “O Município”, que depois foi comprado por políticos e empresários locais e assumiu o nome de “Alto Madeira” em 1917.
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