Domingo, 5 de novembro de 2023 - 12h29
Noutro
dia, entrei em um carro de aplicativo e este era conduzido por uma mulher; esta
era articulada, falante e, ao longo do trajeto, mostrou-se simpática, conversamos
sobre banalidades.
Então olhei
melhor para a pessoa atrás do volante e notei que a vestimenta dela não era
nada convencional; parecia até que ia à praia. Não usava roupa de banho
(biquíni, maiô, canga, enfim, o figurino praiano), porém pude notar que usava
um short, este curto o bastante para surpreender qualquer passageiro (a). Tênis
de marca nos pés, relógio de marca no pulso e uma viseira colorida, como se
estivesse sob o sol.
A certa
altura, ela virou-se para o banco de trás e perguntou: “- Que idade você acha
que eu tenho?” Meio sem graça, observei
o rosto da pessoa e, cá com meus botões, calculei uns quarenta, por aí.
Contudo, por educação, respondi: -Acho que você deve estar chegando à casa dos
trinta.
Naquele
momento, a driver ficou eufórica: “-Tenho bem mais que isso, mas não parece,
não é?” Sem ter o que dizer, assenti com
a cabeça.
Então ela
começou a falar sobre a maravilha que era o seu trabalho; não este. No
aplicativo, dirigia só nas horas vagas, porque ela era mesmo uma esteticista,
uma esteticista diplomada. E mais, usava
o próprio corpo (rosto também, claro), para mostrar às outras mulheres como
poderiam manter-se jovens sob seus cuidados de esteticista diplomada. Por isso
dirigia vestida daquela maneira, para que observassem, além de seu rosto, seu
pescoço, seus braços e pernas, enfim, sua pele sem flacidez e sem marcas da
idade (palavras dela).
Daí em
diante, passou a descrever os procedimentos que fazia em suas clientes; alguns,
aliás, bem invasivos, porém sem perigo algum, garantia. Entre uma informação e
outra, a mulher repetia: - “Não pode deixar o rosto envelhecer”!
Falou-me sobre
sua clínica (nos fundos da casada mãe dela), onde havia apenas uma enfermeira e
ela própria; tudo era muito profissional, só atendia com hora marcada. Disse-me
que, quando eu quisesse, era só marcar.
Àquela
altura do caminho, estávamos chegando ao meu destino.
Antes que
eu saísse do carro, seus experientes olhos de esteticista diplomada percorreram
meu rosto: -Você ficaria linda com um Botox, faço mais em conta e parcelo em X
vezes para você.
Eu apenas
agradeci.
Paguei a corrida
e tentei mergulhar na alegria do Shopping. Mas em minha cabeça, a voz da mulher parecia um
mantra: “nãopodedeixarorosto envelhecernãopodedeixarorostoenvelhecer ... “
E agora?
Como eu poderia viver com aquilo?
Um
sentimento infantil de culpa invadiu-me a alma: deixara meu rosto envelhecer!
Como pude fazer isto com meu rosto que, segundo ouvia de minha mãe, era tão bonito?
Tarde demais, concluí,tristonha.
Foi aí
que me deparei com uma figura feminina saindo da livraria: meia-idade, muito
maquiada, rosto meio deformado, pele esticadíssima, sem expressão: várias tentativas de parecer mais jovem,
pensei. Ou seriam inúmeros procedimentos para evitar que o rosto envelhecesse?
Naquele
instante, lembrei-me da esteticista diplomada e agradeci a mim mesma por haver
deixado meu rosto envelhecer naturalmente. Respeito a natureza e suas leis. São
coisas de Deus.
Sandra
Castiel é professora, escritora, membro efetivo da Academia de Letras de
Rondônia.
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