Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Sandra Castiel

Olhos de Rio


Sandra Castiel - Gente de Opinião
Sandra Castiel

Há alguns dias, tive oportunidade de conhecer um pouco do projeto BANZEIRO DAS CANÇOES, cujo criador é o músico portovelhense Erivaldo de Melo Trindade, o Bado, como é chamado desde a infância.

     Nós, que crescemos nesta região, carregamos n’alma vida afora os sons dos animais da floresta, o saibo de pitiu das águas barrentas de nossos caudalosos rios, a visão dos botos a saltar alegremente em meio as águas profundas do Madeira, as lendas, histórias de sotaque caboclo ouvidas à luz do majestoso luar destes recantos da Amazônia, céu de veludo azul escuro salpicado de estrelas brilhantes a rodear a esplendorosa lua cheia: como não ser arrebatada por um trabalho musical denominado Olhos de Rio, por exemplo? Vou mais fundo e encontro denominações como Banzeiro das Canções, Grito de Cantadores, enfim, um universo inteiro a ser desvelado; um universo projetado pelo amor à Amazônia, à música que nasce das entranhas de nossas florestas, de tudo o que nela existe, à musicalidade forte das cachoeiras, com suas suntuosas cascatas a misturarem-se inteiras às águas que correm em ritmo frenético ao lugar que a natureza lhes destinou.

     Na busca pela origem dessas vozes que refletem a essência de nossas florestas, chego ao SESC- PVH, onde nasceu o movimento Grito de Cantadores, isto entre os anos 80 e 90. Quanta diferença faz quando uma instituição dá vez e voz às pessoas certas; refiro-me à excelente equipe que integrava o Departamento de Cultura do SESC à época.  Quantos jovens talentos construíram uma trajetória rica a partir desse movimento!

    Quando o movimento perde a força, após atingir seus objetivos, uma sucessão de outros movimentos nascem da motivação e da criatividade desses jovens, tais como, Movimento de Criação Cabeça de Negro, Projeto Cinco e Meia, Projeto Cine Clube Zumbi, entre tantos outros. Destaco o “Cabeça de Negro”, por ter entre seus fundadores Adaídes Batista, o Dadá como é afetuosamente chamado, expoente literário, poeta, escritor e compositor, membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia.

    Voltando a Bado, seu projeto Banzeiro das Canções, trabalho musical de excelência, reconhecido e aprovado oficialmente, foi realizado com recursos oriundos da lei Aldir Blanc. Neste projeto, Bado percorre sua trajetória, recebendo músicos que compartilharam consigo momentos cujas memórias estão vivas e transparecem em suas expressões musicais. Os depoimentos e apresentações desses parceiros, que testemunharam e participaram dessa caminhada, emocionam pela autenticidade, pelas lembranças e, sobretudo, pelo reencontro. 

        Começo destacando a participação de Júlio Yriarte, o idealizador do movimento Grito de Cantadores, de cuja fonte emergiram tantos talentos. Não pretendo, aqui, reproduzir dados biográficos de todos os artistas. Porém, ao assistir à apresentação de Júlio, encantou-me seu sotaque caboclo, aliado à fala de procedência boliviana; encantou-me, também, a parceria com Bado (quantas histórias!). O ponto alto, algo que me deixou deveras fascinada, foi ouvir a execução, por ambos, do chorinho de autoria de Júlio, Choro pra Dêga; ao ouvi-lo, reportei-me a célebres nomes da música brasileira do passado, como Pixinguinha e Jacob do Bandolim, por exemplo. Temos aqui grandes músicos, o que nos enche de orgulho.

        Não sou especialista em música, porém, admiradora fervorosa dos estilos musicais nascidos em nosso país; esta preferência aumentou, ao longo de minha permanência de duas décadas, na capital cultural do Brasil: o Rio de Janeiro, berço dos ritmos que mais arrebatam minha alma.

       Emocionei-me com a caminhada de Bado e Júlio, principalmente com o entusiasmo que emana desses artistas veteranos ao discorrerem sobre seus trabalhos em prol da divulgação de nossa música. Quanta beleza!

        A autoria marcante de Bado, sua parceria musical com muitos outros artistas, rompeu os limites das fronteiras do estado de Rondônia, fundiu-se à música nascida em outras paragens da Amazônia; desse modo, foi fortalecida a identidade da música produzida na região Norte, a nossa região. O trabalho de Bado abrangeu parcerias com outros grandes músicos do país, levando-o a figurar entre o pódio dos notáveis em sua área de atuação, carregando consigo, sempre, nossa terra, como tema de suas criações e apresentações.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

O príncipe da paz

O príncipe da paz

Sou uma pessoa de sono difícil e sonhos perturbadores, custo a crer que não são realidade. Aliás, na madrugada, passei mal e precisei de atendimento

Afinal, o que é o tempo?

Afinal, o que é o tempo?

Quando eu era nova, o tempo não era um tema que eu considerasse instigante. Para mim bastava pensar que a vida é o que é, ou seja, tudo se modifica

O quarto de minha mãe

O quarto de minha mãe

Ela não era fumante, nunca foi, e se casou com meu pai, que fumava desde a meninice. Ela passava mal com o cheiro forte do cigarro impregnado nos le

De mãos dadas

De mãos dadas

O mundo em que nasci não é este que Deus está me permitindo ver e viver.  Em um mundo analógico, as mudanças eram lentas; as crianças obedeciam às r

Gente de Opinião Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)