Sexta-feira, 28 de outubro de 2022 - 13h40
Ontem
cedo, enquanto andava pelo jardim, a brisa da manhã trouxe-me o inconfundível
cheiro de jasmim; amo as florezinhas e o perfume que exalam, por isso cultivo
um grande arbusto dessa planta tão antiga em meu espaço. Este episódio
transportou-me a certo endereço em Copacabana, no Rio de Janeiro.
Há
muitos anos, meu marido e eu procurávamos um apartamento para morar naquele
bairro, dada a facilidade de locomoção, a praticidade do comércio existente em
quase todas as ruas dali e a proximidade do mar; amo contemplar o mar!
O
prédio era antiquíssimo e os funcionários, bastante idosos, estavam ali há muito
tempo: achei-os um tanto formais e comedidos, porém eram educados, isso
bastava.
Havia
quatro apartamentos por andar: dois quartos, cômodos pequenos, mas com janelas
grandes, era o que precisávamos. Mudança feita, seguimos a vida no novo
endereço. Nos primeiros dois meses, tudo ótimo; dormíamos com as janelas
abertas, no sétimo andar, e a brisa do mar refrescava os ambientes. Até que
chegou o inverno e trouxe consigo um frio intenso; assim, as janelas precisavam
ser fechadas, sobretudo à noite, quando a temperatura tornava-se mais baixa.
Certa
madrugada, fui despertada por um som estranho: móveis sendo arrastados
delicadamente, murmúrios de vozes masculinas e femininas que pareciam cochichar,
para que não acordássemos, e aquilo vinha da sala do apartamento! -- Isto não
seria possível --- pensei. A princípio,
achei que um grupo de pessoas conversava na rua em frente ao prédio. Olhei pelo
vidro da janela do quarto, em todas as direções, não havia ninguém na rua
àquela hora (três horas da madrugada), tampouco qualquer ruído dos apartamentos
vizinhos; o silêncio era interrompido apenas por um ou outro carro que passava
pela avenida próxima.
Enrolada
no cobertor, dirigi-me cautelosamente até a sala. A luz tênue da arandela centenária,
presa à parede, permitia-me enxergar todo o espaço, na penumbra. Não havia pessoas, não havia nada estranho,
tudo estava em seu lugar. Então, mais calma, concluí que fora apenas um sonho
esquisito. Resolvi tomar um copo de leite.
Assim
que entrei na cozinha, percebi um odor de incenso no ambiente e, de imediato,
senti falta de ar; era o sintoma de minha alergia respiratória a odores fortes.
Verifiquei se o basculante estava aberto, se o cheiro era oriundo do
apartamento mais próximo, e nada; parecia mesmo que um incenso fora aceso em
minha cozinha. Então, retornei ao quarto com o copo de leite e ingeri o líquido
vagarosamente: quem sabe aquilo não fora criado por minha imaginação?
Nos
dias subsequentes, minha mente estava tão ocupada com leituras e teorias
relacionadas a meu trabalho que sequer comentei o episódio com as outras
pessoas da casa. Até que, algumas semanas depois... acordo no meio da noite e a
história se repete: murmúrios de conversas na sala, móveis sendo arrastados com
certo cuidado, e eu, perplexa, tentando entender uma palavra ou outra do que
diziam as vozes: em vão.
Decidi
não ir até a sala. Acordei meu marido, que dormia tranquilamente ao meu lado:
---- Você está ouvindo algo estranho? ---- pergunto. --Não, não estou ouvindo
nada; procure descansar. – responde. Dito isso, meu marido fez uma carinho no meu
rosto e voltou a dormir imediatamente. Claro que eu não consegui relaxar àquela
madrugada: como poderia? Ouvidos atentos, acompanhei a movimentação que vinha
da sala, até o fim. Quando tudo silenciou, eu estava exausta.
Pela
manhã, percebi que precisava de alimentos fortes para compensar a noite
terrível que tivera. Entrei na cozinha e fiquei atônita. Lá estava o forte odor de incenso que eu
sentira na primeira vez. Falta de ar. Cumprimentei a diarista que chegara cedo
e limpava os armários sobre a pia.
Enquanto
tomava um café reforçado com ovos mexidos, perguntei-lhe: --- Você sabe de onde
está vindo este cheiro de incenso? --- Não. Não estou sentindo cheiro de
incenso ---- responde a moça, depois de levantar a cabeça, e inspirar pelo
nariz.
Mal
consegui trabalhar àquele dia. A possibilidade de que eu estaria ouvindo vozes,
reuniões em minha sala e sentindo odores inexistentes me angustiava: estaria eu
com esquizofrenia? Tudo é possível neste mundo de meu Deus.
Dediquei-me
mais ainda ao trabalho e à pesquisa, algo que preenchia minha mente, mobilizava
minha inteligência e alegrava minha existência. Assim, deixei pra lá o
ocorrido: --seja lá o que tenha sido, ou o que for, estou em paz. Com esse estado de espírito, segui minha
vida. Até o dia em que conheci alguém que morava no sétimo andar (o mesmo andar
que eu) há muito tempo.
A
mulher da porta em frente à minha chamava-se Grace; de meia idade, falava com
um inconfundível sotaque britânico. Apaixonada pelo Brasil, sobretudo pela mata
atlântica e pelo Rio de Janeiro, apresentou-se a mim como uma botânica que
exercia sua profissão no Jardim Botânico do Rio, espaço grandioso, criado pelo
Imperador Dom Pedro II. Gostei dela. Conversamos.
Bastante
sociável (talvez pelo longo tempo de convívio com brasileiros), Grace
perguntou-me: --- Você está gostando do apartamento? ---Sim, estou gostando ---respondi
sem muita convicção. ----Ainda bem, tomara que fique por aqui, porque ninguém
permanece nele muito tempo. -----Então ela se volta para a portaria e fala
baixinho, fazendo um gesto com a cabeça na direção do balcão onde estavam os antiquíssimos
funcionários do prédio: ----Todos esses frequentavam as reuniões que aconteciam
lá.
Não
fazia a menor ideia do que Grace (a vizinha) acabara de falar. Então, ela
continuou com aquela narrativa estranha: --- A antiga proprietária, mulher de
uns oitenta anos (já falecida), era mentora de uma seita esquisita: uma vez por
mês, ela recebia os seguidores; afastavam os móveis e abriam um círculo, no
centro do qual promoviam ritos, repetiam mantras e acendiam incensos.
Antes que minha vizinha continuasse com mais informações sobre o passado
do “meu” apartamento, despedi-me dela. No dia seguinte, meu marido ligou para a
imobiliária e encontramos um outro lugar para morar. Ainda hoje, quando passo
em frente àquele edifício (sempre igual), sinto calafrios. Observo que, desde
sempre, cultivam lindas flores de jasmim, no jardim. O perfume é inconfundível.
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